20 de maio de 2007

rapunzel

Meus cabelos compridos se atiram pela janela
Em ondas avermelhadas
Mas ainda não tocam o chão.
Esvoaçam ao vento, tênues, apesar do peso que levam...
Os pássaros roubam os fios que se soltam
E tecem ninhos sanguíneos.
Minhas tranças enormes ainda não alcançam meu desejo
De colocar as mãos na terra
Me libertar da torre escura
E sentir que pode ser real.

10 de maio de 2007

o grito

Meu antebraço direito está gritando. Até pouco tempo atrás, não sabia que ele falava também. Meu estômago conversa bastante comigo em horas estratégicas do dia; minhas costas fazem “crec” quando querem carinho; meus calos latejam pedindo escalda-pés; meu coração às vezes acelera tanto que os outros podem ouvi-lo do lado de fora. Mas o antebraço, carinhoso e incansável, que eu sempre acreditei mudo, esse se pronunciou pela primeira vez há uns três meses apenas.

Me espantei com os protestos. É quando se menos espera que os descontentes aparecem. O manifestante exigia melhores condições de trabalho: mais apoios, almofadinhas, antiinflamatórios; menos pulseiras, braceletes; carga horária reduzida; férias remuneradas com benefícios extras: acupuntura e fisioterapia. Afinal, estava já prestes a se aposentar por tendinite crônica e generalizada, o pobre. Era isso ou greve.

E assim, me vi obrigada a começar uma manobra institucional de canhota, pouco canhestra até, quase ambidestra, repassando mais da metade do serviço acumulado na repartição para o lado de lá – o gauche. Vai, antebraço, ser gauche na vida.

Eternamente desejoso de poder, o antebraço esquerdo domina a situação agora, ri, se diverte e se empanturra. E cala, desdenhoso, enquanto o colega continua a urrar. Esperneia, chora e grita, grita, grita, o antebraço direito. Da dor tortuosa da inutilidade.

Vai entender. Bem no fundo, são todos tortos. Ou direitos.