12 de novembro de 2008

céu

Pulava em um só dos pés:
Um, dois, três...
Abaixava-me assim
E pegava a pedrinha
Sem pisar na linha!
Tudo vale, vale sim!
Vira e volta.
Joga longe!
Vai até o céu!
E, de lá, altas
As risadas das nuvens brancas
Brincando de ser bichinhos
Branqueavam de giz
As mãozinhas meninas
Que os leves pezinhos
Não pendiam nas linhas!
Mas se errar, me diz...
Vira e volta
Um, dois, três
Começa tudo outra vez...

4 de novembro de 2008

sobre o tempo que levam os sonhos

O gatinho pequeno está dormindo em cima da mesa do computador novo. Essa mesa que já foi de jantar, muito tempo atrás (talvez nem tanto assim). O computador é novo, mas o desejo de tê-lo é velho. Na verdade trata-se de uma ilha de edição, na qual eu poderei produzir, um dia, meus sonhos mais e mais longínquos ainda: os roteiros que escrevi, há anos. Para isso, comprei uma câmera de vídeo no ano passado – ótima, mas que logo estará ultrapassada, porque atualmente é preciso pouco tempo para isso -, um bom tripé, durante a viagem que fiz a Nova Iorque - sempre quis conhecer Nova Iorque mas tinha vergonha de dizer - e, principalmente, uma cadeira confortável para ficar horas e horas diante do Adobe Première (ou do Avid, que quero aprender a operar direito quando me sobrar um tempo). Aliás, tempo era o que mais havia no assento anterior do meu tão sonhado escritório – agora quase real. Eu me sentava numa cadeirinha delicada, talhada a mão, que foi da cozinha de minha avó, há algumas décadas. E antes disso, da mãe de minha avó. Era até um pecado – apesar de não me sentir mais ameaçada por pecados como me sentia quando criança – mas juro que só ficava trabalhando sobre essa relíquia por uma questão de praticidade: não tinha outro lugar para me sentar. E só aposentei a pobrezinha porque as costas doíam depois de muito tempo ali, envolvida com a informática. Aposentei não. Por questão de tradição, ela foi parar na minha cozinha, que nem é tão nova assim. Pensei que jamais fosse aprender a cozinhar. Demorou, mas consegui. Só que nunca me lembro de comprar conhaque para fazer crêpe Suzette. Quando eu era pequena ouvia esse nome e achava lindo... Sonhava com o dia em que iria prová-lo, apesar de não ter a menor idéia de como o doce era. E o que importa? Naquela época, na padaria onde eu podia gastar minha mesada, os sonhos nunca acabavam antes que eu provasse um. Já na vida não. Mas sou maníaca por doces até hoje. E talvez por esse motivo só tenha usado o computador novo para procurar receitas antigas e restaurar as fotos de minha avó. Enquanto gasto meu tempo, o gatinho pequeno vira-se. Ressona, ronrona, espreguiça. Ele é novo. Ainda tem todo o tempo do mundo. Mesmo que não saiba bem o que isso significa.

25 de outubro de 2008

constituindo




















A TV Câmara está exibindo a série Constituindo, uma reflexão sobre a Constituição brasileira, que completou vinte anos no dia 5 de outubro.

Artistas, intelectuais, esportistas, personalidades conhecidas pelo Brasil escolheram um artigo e expuseram suas críticas, dúvidas e esperanças.

Fiz esse trabalho com muito carinho e tive a sorte de contar com uma equipe maravilhosa do antigo Núcleo de Vídeos Especiais - atual Núcleo de Longos e Promos - do qual (infelizmente) não faço mais parte.

De qualquer maneira, fiquei muito feliz com o resultado e recomendo!

A série Constituindo tem 14 episódios curtinhos, de até cinco minutos cada um, e passa durante a programação da TV Câmara, sem horário definido. Também é exibido na TV Futura, na TV Justiça e na TV Brasil.

Clicando na imagem acima, vocês podem assistir ao episódio que está no Youtube, com a atriz, poetisa e cantora Elisa Lucinda. Espero que gostem!

Assista aos outros episódios da série:
Chico Caruso (cartunista)
Juliana Oliveira (apresentadora do Programa Especial)
Júlio Medaglia (maestro)
Paulo Lins (escritor e roteirista)
Elke Maravilha (atriz)
Rui Amaral (artista plástico)
Roberto Corrêa (violeiro)
Tico Santa Cruz (cantor)
Beth Carvalho (cantora)
Zico (técnico de futebol)
MV Bill (cantor e documentarista)
Sérgio Mamberti (ator)
André Fischer (Mix Brasil)

8 de outubro de 2008

27 de agosto de 2008

caos doméstico matutino

  • 7h30 - Despertador toca.
  • 7h40 - Despertador toca de novo. (Tá bom, já ouvi!)
  • 7h50- Vestir a roupa da academia. Arrumar a bolsa.
  • 8h05 - Tomar café.
  • 8h10 - Enfiar as gatas nas caixinhas.
  • 8h20 - Nova tentativa.
  • 8h25 - Jogar ração lá dentro.
  • 8h30 - Banho de Bibi e Lindinha no pet shop (hora marcada).
  • 8h45 - O pet shop ainda está fechado e eu estou esperando na porta com as duas gatas nas caixinhas, em miados altos.
  • 8h50 - Minha mãe me liga no celular pra dizer que a faxineira e o homem da capa do sofá não vão poder ir hoje. Nada do pet shop abrir.
  • 9h - O pet shop abre.
  • 9h - Horário da faxineira. CANCELADO (Putz, tenho um encontro romântico no sábado e uma pilha de louça suja na pia)...
  • 9h01 - Ligar para a faxineira e EXIGIR um horário antes de sábado.
  • 9h10 - Demitir a faxineira
  • 9h20 - Tentar achar outra faxineira.
  • 9h30 - Desistir de demitir a faxineira e perguntar educadamente se ela pode ir na sexta-feira caso eu pague o dobro.
  • 9h50 - Buscar as gatas cheirosinhas no pet shop.
  • 9h58 - Tentar fotografar as gatas com as fitinhas lilás no pescoço antes que elas arranquem tudo.
  • 10h - Prova da capa do sofá. CANCELADO
  • 10h01 - Ligar para o Procon.
  • 10h05 - Limpar as caquinhas antes que as gatas limpinhas pulem na areia suja.
  • 10h06 - Escovar a Bibi para tirar a areia suja.
  • 10h10 - Alguém trancou meu carro no estacionamento. BUZINAR bastante.
  • 10h20 - Aula de yoga.
  • 10h25 - Chegada à aula de yoga.
  • 10h26 - Esticar a esteira de yoga entre quatro pessoas de braços curtos.
  • 11h10 - Alguns hematomas depois, termina a aula de yoga.
  • 11h30 - Almoçar no self-service da esquina.
  • 11h55- Arrepender-se por não ter comido sobremesa. Correr pra casa.
  • 12h - O porteiro combinou comigo de fazer uns servicinhos com a furadeira lá em casa.
  • 12h10 - Fazer a lista dos furos necessários nas paredes.
  • 12h15 - O porteiro não apareceu até agora.
  • 12h30 - Me arrumar para o trabalho. Cadê o porteiro?!
  • 12h31 - Tomar banho. Escorreguei no tapete e dei uma topada na parede (sem furos).
  • 12h40 - Fazer curativo no dedão roxo.
  • 12h50 - Chamar o porteiro pelo interfone. (Ué... Ele foi almoçar...)
  • 13h19 - Xingar o porteiro.
  • 13h20 - Sair para o trabalho.
  • 13h23 - Gran finale: a chave do carro cai no poço do elevador...

19 de agosto de 2008

o urubu

Pra ninguém dizer que estou mentindo: foto do urubu original
Costumeira cena inicial do seriado: diante da tevê desligada com o laptop no colo, de chinelos e pijamas. O que não descrevi nesse cenário, é que em oposição a mim existe um janelão sempre aberto. Do sexto andar onde moro, mesmo sentada no sofá, dá pra ver a cobertura do prédio vizinho, que nada mais é que um terraço vazio e reto - até que vez ou outra pouse um pombo gordo, exaurido da subida.

Digitava com os olhos cravados na tela, mas sentia que um movimento estranho lá fora, tão alto, embaçava sutilmente a visão periférica. Não cheguei a atentar, a princípio. Mas depois de alguns dias, com a insistência da repetição, encafifada, finalmente levantei a cabeça para averiguar.

Incrível a fixação paranóica, ainda que despercebida, na tela do computador. Dias assim, sem prestar atenção a minha volta, não notei que pousava ali na minha frente, além dos pombos de praxe, um imenso urubu. A gente deve sempre esperar se surpreender na vida.

Confesso que a aparição foi extremamente desafiadora para meu léxico inventivo.

Urubua
Urubula
Urubola
Uruboa

Sei lá. É que o urubu parecia fêmea. Um animal jovem e bonito, de penas brilhantes e olhar meiguinho. Quem é que diz que isso come lixo?

O fato é que, de início, entrei numa neura de simbolismos alucinatórios. Lembrei de Joãozinho Trinta. De Maupassant e Alan Poe também. Quando olhava para o bicho, juro que quase esperava que ele me dissesse a qualquer momento: “nunca mais”...

Hoje não. Depois que me acostumei com a visita diária e passei a acompanhar seu desenvolvimento com o zelo de uma ama, chego a sentir falta quando ele não vem. Me apeguei, apesar dos gatos não gostarem muito. E agora mesmo, enquanto escrevo isso, o urubu está ali, descansado e satisfeito, tomando seu solzinho pousado na minha sorte.

16 de agosto de 2008

caquinhos



















"Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso, ela nos espia do aparador."

Carlos Drummond de Andrade

11 de agosto de 2008

sobre flexibilidade

Aproveitando as manifestações zen que começaram no post anterior.

Hoje, estava eu na aula de ioga, numa posição que chamaria de, no mínimo, não recomendável para pessoas que têm problemas de coluna. Fazia "o arado": deitada no chão, as pernas esticadas passam para trás por cima da cabeça, a ponta do nariz praticamente grudada no umbigo, a nuca inteira cravada no piso.

E, apesar de minha pouca flexibilidade, consigo fazer isso magistralmente. Sou até capaz de relaxar nessa postura incômoda e antinatural. Não sei bem o porquê disso. Mas o fato é que foi assim, nessa pose invertida, que tive uma breve iluminação.

Comecei a sentir um orgulho de mim mesma, uma satisfação pessoal de fazer isso tão bem quanto o professor - ou melhor que ele - que me levou a imaginar o quanto é bom ser flexível. Pensei também como era difícil para mim me virar no movimento contrário: quando a ordem era esticar para a frente, eu parava feito uma árvore no meio do caminho, dura, estática, travada, impossibilitada de encostar os dedos das mãos nos dos pés.

Por que sou tão vergável para algumas coisas e tão inflexível para outras?

E assim, nesse curtíssimo e estranho momento filosófico de minha existência, concluí que posso ser mais feliz quanto mais flexível puder ser. Em todos os aspectos da vida. É aquela velha história do bambu que se verga ao vento sem quebrar.

Vamos ver se isso dá certo.

10 de agosto de 2008

meditando

Hoje fui à quermesse do templo budista de Brasília.
E em vez de ficar na fila enorme do camarão empanado, resolvi ir meditar
(havia uma demonstração de vinte minutos da prática que é feita diariamente).

Preciso dizer que esses vinte minutos valeram
Muito mais que quaisquer outros vinte minutos
Em qualquer quermesse a que já fui na vida
(principalmente se tivesse passado esse tempo reclamando na fila do camarão).

Fiquei com o estômago vazio
E a alma cheia de fome.

7 de agosto de 2008

efeito borboleta

Foto de Fernanda Marques


Eu usava um chapéu de abas largas
Coisa que nunca faço!

Eu fui à cidadezinha de Passa Quatro
Mas não tinha estado lá antes!

Eu embarquei na Maria Fumaça
E fiz essa viagem pela primeira vez!

Pois nesse dia de tantas novidades,
veio a borboleta e pousou em mim

Na minha cabeça encoberta
Nas minhas idéias floridas
No meu coração descorado

E tantos viram e disseram
Que, mesmo sem tê-la visto,
Eu acreditei, feliz!

5 de agosto de 2008

o trovador

Ele fala assim mesmo, de verdade,
Como se viesse de um outro século, esquecido no passado.
Engraçado.
Cheio de sentimento, elucubra, suspira,
Volta-se com uma filosofada
E conclui um poema seu (ou de outro)
Cheio de aspas, itálicos e travessões rococós.

Eu pensei que fosse brincadeira de assim, recém-conhecer,
Que criança faz pra se mostrar pras visitas.
Mas não era não.

Eu troço com ele:
É um trovador, um poeta errante,
O paladino temporão de tempos que nunca viveu.
De um lirismo imaginado
Que só os bondes de Santa Tereza, os chapéus-coco, as tevês de válvula e as máquinas de escrever podem lembrar.
Ele, ri, me acha graça, de sua meninice inata e sincera.

Mas, depois de muitas cólicas de alegria, distrái-se outra vez no etéreo,
Reencontra Rocinante e Sancho Pança na curva da nuvem,
Chora pra mim todos os seus sonhos insustentáveis,
Todas as suas vontades de envolver a galáxia com os dedos mindinhos,
Todas as suas aflições infinitamente sem solução...

E termina por resolver algumas das minhas.
Estranhamente,
As mais palpáveis e solúveis.

29 de julho de 2008

o primeiro quadro



A gente chegou lá, duas da tarde, no Leblon, conforme o combinado.
O cara estava pintando um quadro.
- Viram? Meu primeiro quadro.
Algo assim meio Van Gogh, meio Andy Warhol.
- Resolvi pintar a minha própria cara porque ninguém pode reclamar. Só eu.
Eu não reclamaria se você pintasse um retrato meu.
(Ele riu)
Mas é o primeiro mesmo? Você nunca pintou tela nenhuma?
- Não. Era um sonho nosso. Meu e do meu irmão. Mas a gente começou a desenhar no papel e aí... Era mais barato.
Eu diria que você está indo muito bem.
- Obrigado.
Não acredito que a gente está aqui registrando o seu primeiro quadro.
- É. Olha, vou pintar mais um auto-retrato nesse quadradinho aqui.
Pincela pontilhista, colorido, meio Seurat agora.
- Esse é o mais parecido comigo, não é?
Depende de como você acorda.
(Ele riu de novo)
Remexe o pincel pra lá e pra cá, começa a pintar outro.
Depois você poderia nos mostrar umas charges?
- Você quer que eu pare o meu trabalho pra te mostrar o meu próprio trabalho?
Não. Se você preferir a gente pode ficar aqui o dia todo.
- Justo agora que eu estava ficando parecido com o Lobão!
Levanta e vai caminhando para um armário de ferro com gavetas largas.
Lobão? Eu vi um quê de Arnaldo Antunes...
- Arnaldo Antunes! Arnaldo Antunes... É mesmo...
Será que tem alguma de 1988?
- Eu não sou tão organizado assim...
Vasculha as gavetas cheias de pastas com desenhos. Fecha uma, abre outra.
Se não achar, tudo bem, não precisa se preocupar... A gente já gravou bastante.
- Não, espera aí... Olha: o Ulysses com a Constituição.
Genial, genial!
- Tá bom?
Puxa, ficou bom demais! Obrigada mesmo.
Grava, grava, grava, de perto, de longe, de tudo que é jeito.
Será que você tiraria uma foto com a gente?
- Foto? É para o trabalho?
Não, é tietagem mesmo.
(Riu)
- Claro, vamos. Todo mundo aqui atrás.
Com o primeiro quadro?!
- É.
Pô, Chico, essa vai entrar pra história.

(Flashes lembrados da entrevista com Chico Caruso para o programa Constituindo, da TV Câmara)

15 de julho de 2008

chegadas e partidas




a caldeira está fervendo
as linhas férreas
e retas
se curvam ao calor

Me espera, condutor!
(tá na hora?)
Avisa, maquinista, que eu vou junto!
(posso ir?)

vamos marcar os assentos
bem próximos, na janela
e viajar

Eu ainda quero alcançar esse trem
(será que dá tempo?)




(Foto que tirei da maria-fumaça de Passa Quatro, MG, na Serra da Mantiqueira)

10 de julho de 2008

exame de coração

"Ô, mulher sem coração!"

É, foi isso o que ele disse.

Sempre tive pressão baixa. Mas, não sei porque, encasquetei que precisava revisar geral. Talvez pelo aumento considerável da atividade física, talvez pela lembrança longínqua de um propalado prolapso da válvula mitral no passado adolescente, sei lá, resolvi procurar um cardiologista.

Abri meu coração pra ele. Depois de perguntar sobre o histórico de toda a família e ouvir um quilométrico desfiar de "nãos", me receitou uma lista de exames de todos os tipos, muitos deles feitos ali no próprio consultório, o que me fez até desconfiar da autenticidade das preocupações do médico com meu suposto problema. No final, decidi: vamos onerar um pouquinho o plano de saúde. É pra isso mesmo que eu estou pagando.

Pra começar, coloquei um aparelho de monitoramento de pressão 24 horas. Na rua, todo mundo olhando pra mim. Debaixo da blusa, meu bíceps crescia misteriosamente como se eu fosse o Popeye comendo espinafre. Prrrrrrrrrrr. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Sssshhhhhhh...

O negócio preso no meu braço enchia de ar a cada quinze minutos, durante o dia inteiro – e depois, a noite inteira -, infalível e inflalível, o que, realmente, deve ter contribuído bastante para aumentar como nunca a minha pressão arterial. Prrrrrrrrrrr. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Sssshhhhhhh...

Fui trabalhar com esse bagulho pendurado. Me senti a mulher-bomba. E até que não era má idéia. Logo ao chegar, mandaram que eu fizesse um videozinho lindo de última hora, com imagens cedidas pela tevê local de uma cidadezinha do interior de sei lá onde. Acho que o nome terminava com "-aba". Enfim... Da meia hora de fita gravada, não tinha um só take que tivesse foco ou enquadramento. Prrrrrrrrrrr. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Fuuuu. Sssshhhhhhh... Pensei que o troço fosse explodir. Fiquei com o coração na mão.

O teste de esforço físico fez jus ao título. Me acabei naquela esteira, arfando feito cachorro que caiu do caminhão de mudança, e corria numa inclinação nível "Aconcágua" sem equipamento de escalada. O técnico que acompanhava o exame tinha coração de pedra.

Moççççouu! Arf... Arf... Arf...
(Nada dele me olhar)
Mooooooooooçu!
"Sim, pode falar."
Nããou... Arf... Arf... Eeeuu nãããoouuu poss falar... Arf... Arf... Eeeeuuu... Nããooou... Agüeeentuuu... Maaaaisss!!!
"Agüenta mais um pouquinho sim."
Eeeuuu... Arf... Arf... Vouuuu... Arf... Arf... Pulá...
"Só faltam dez segundos!"
Dezzz seee... Arf... Arf... Dezzz seeeggg...
(Pulei)
Arf... Arf... Arf... Arf... Arf... Arf...
"Puxa vida, você estava indo tão bem!"
Nããoou tava nãããouu... Arf... Arf... Juro que nããoouu... Arf... Arf...

Na avaliação oficial desse teste, conforme atestava o laudo – e apesar dos dez segundos,- fiquei bem acima da média "das mulheres da mesma idade". Que desaforo. Cortou meu coração.

Ainda fiz uma ecografia cardíaca, vai saber exatamente para quê. Ah, sim. Foi aí que descobriram: meu coração é minúsculo - pesa menos de 200g.

"Ô, mulher sem coração!"

Tá explicado.

Muito satisfeito e risonho, o médico disse que eu não tinha absolutamente nada além de uma saúde de ferro.

O senhor, em compensação, tem um coração de ouro!
(Ele sorriu – acho que não entendeu a piada)
"Parabéns!"
Para o senhor também.

Saí de lá com aquela papelada assinada e certificada, que garantia que meu órgão cardíaco ia muito bem, obrigada, apesar dos trancos que já levou pela vida afora. Ainda assim, desconfiei. Sabia que estava calejado, maltratado e precisava de muito mais cuidado e carinho.

7 de julho de 2008

lembranças de um outro dia frio

Quando abri os olhos, estava tudo escuro. O despertador dos anos oitenta era implacável e o tilintar estridente acordaria a casa inteira se eu não fosse rápida. A velha cama de molas enferrujadas rangeu e chacoalhou por trinta segundos com um único movimento do meu braço. Recorde mundial.

Queria, mas não podia tomar banho. A essa hora ainda não havia água na torneira e os barris imensos de plástico azul – nem Deus sabe o que havia ali antes - estavam vazios desde ontem à noite. Coloquei uma roupa limpa, porém muito surrada, e saí sem tomar café. Não tinha. Era preciso fazer essa refeição na escuela.

A casa onde estava hospedada ficava em Vedado, um bairro de classe média alta pós-decadente, de aparelhos de tevê com antenas enferrujadas e geladeiras certeiramente responsáveis pelo buraco na camada de ozônio do planeta. As construções eram lindas, moderníssimas para quem viveu em 1958, mas dessa época em diante não viram mais uma pintura, uma restauração, uma reforminha.

Estava ali na mesma rua de familiares de Raul Castro e, diante do prédio deles, um homem vestido de verde postava guarda diuturnamente. Ao atravessar, sempre ficava na dúvida se deveria olhar para ele ou não.

O movimento era pouco àquela hora. Mesmo assim, as avenidas já cheiravam forte a óleo e fumaça, mais que em qualquer outro lugar do mundo onde estive. Alguns Cadillacs desmoronados faziam um barulho alarmante, de enxame de marimbondos enlouquecidos, mas os motoristas não pareciam muito preocupados com isso.

Eu precisava caminhar um bom trecho sozinha por entre as calles até o ponto do ônibus amarelo da década de 50 – carinhosamente chamado de “la guágua” - que me levaria à escuela. No trajeto, passava bem em frente ao suntuoso cemitério Cristóbal Colón, orgulho para a população cubana, onde jaziam alguns dos grandes heróis da revolução – ou alguma coisa deles. Sentia arrepios.

Afinal, aquele era um dia frio – sim, creiam, também faz frio em La Habana. E, muito diferente do meu distante planalto central, a cidade era tão úmida que às vezes acreditava na possibilidade real de cortar a massa de ar com uma faca. Parecia até que andava dentro d’água, vencendo a resistência do meio a cada passo.

Todos os dias, no trajeto, um sujeito qualquer me atirava uma cantada boba. Depois vinha outro. E mais outro. Nem lembro quantos – isso é muito comum por lá. Meus brios fermentavam, ainda que soubesse que os elogios dos rapazes não tinham nada de sincero. Todos queriam deixar a ilha um dia. E, para eles, fora a aventura de atravessar as 90 milhas que os separavam de Miami numa bóia de pneu de caminhão, um bom casamento era o jeito mais curto e agradável para isso. Pouco me importava. Que continuassem com aquelas declarações de fulminante paixão eterna a cada esquina. Faziam-me bem.

Na calçada, uma mulher negra, de coque encarapitado bem no topo da cabeça, vendia uns bolos de cremes e confeitos multicoloridos, pronta para sair correndo ou enfiá-los dentro de uma sacola a qualquer momento. No mesmo rumo, se não me engano, outros me ofereceriam ovos e pães, com a discrição própria a quem sabe que faz algo ilícito. “Huevos? Pan?” Apontavam para a comida escondida dentro do casaco. Já estava ficando com fome.

Ao chegar ao ponto da guágua, mesmo cedo como fui, a fila já estava grande, enorme, gigantesca! Esse era um costume dos nativos, do qual não havia como escapar. Pensando bem, as filas faziam parte do cotidiano de todas as sociedades contemporâneas. Por que não aqui? Consegui até um lugar para sentar. Em cima da roda, mas me sentei. Voltaria para casa no fim da tarde, escurecendo outra vez, para mais uma noite de molas e sonhos em Havana.

27 de junho de 2008

um outro rato

Um rato me persegue por todos os cantos
Enorme, cinzento, ameaçador.

Um rato tal qual uma sombra
Que se reveste de fraternal cumplicidade
Todas as noites quando, ao deitar,
As luzes que me atravessam
Revelam esse monstro em mim.

De repugnância velada
De dores gordurosas
De podridão invisível
Que ameaçam, insistentemente, a minha vida.

Um rato traiçoeiro
Que, aonde quer que eu vá,
Espreita um descuido de existência
Para devorar, regozijado, o amanhã.

Rato que me conforta e alimenta
Espectro vivo ao meu lado
Leve a verdade daqui.

4 de junho de 2008

reflexivas



















Marcya, Maíra e o terraço do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque,
refletidos no big cachorro de balão de Jeff Koons (clique nas imagens para ampliar).

4 de abril de 2008

sivuca e eu

O sol estava forte demais. No auge da seca brasiliense, flagelava os infelizes que precisavam chegar ao trabalho à uma da tarde, como eu. Para somar aos prejuízos, aquele congestionamento genuíno, precursor dos muitos que existem hoje na cidade. Nessa época, era chefe de reportagem na TV Bandeirantes. A minha ansiedade vivia os píncaros de sua glória e pedia bis.

O carro era mais que um forno para essa laia a qual pertenço, dos indivíduos praticamente desprovidos de melanina. O estacionamento em frente ao prédio, no Setor Comercial Sul, já estava completamente lotado desde muito cedo. E eu, atrasada como nunca.

Antônio, o flanelinha camarada, viu meu carro lá de longe. Engraçado é que ninguém chamava o cara de Toninho. "Ô, dôtora! Tiro um aqui, que já sei que a senhora sai tarde!" Isso era uma senha. Significava que eu iria morrer nuns dez reais pela gentileza. "Valeu. Na volta a gente acerta." Lá de longe onde estava e ficou, ele acenou para mim, como sempre. "Mafioso..."

Subi as escadas até o hall vazio do térreo. Suada, cheia de pastas e bolsas, acho que meio descabelada também, arquejando feito um cão raivoso, não sei se de um cansaço premonitório da semana que viria ou de inconformismo por ficar refém do Antônio toda vez que me atrasava. O elevador ainda estava parado no quinto andar.

Conferi as medidas no espelho escuro enquanto esperava. “Isso aqui já foi menor”. Ajeitei um pouco as mechas ruivas, indomáveis, que já chegavam à cintura. Vi as horas e aproveitei para fulminar o relógio num olhar ácido sulfuroso. "Tou frita. Já devia ter despachado as equipes há muito tempo." Estava nesses pensamentos jogados à toa quando ele chegou.

Devia ter um metro e meio pelo menos. Um cabelão comprido e claro, que não sabia dizer se era loiro ou branco, amarrado num rabo de cavalo. Usava umas sandálias de couro, uns óculos de lentes grossas, uma camisa colorida de turista americano. Parou ao meu lado, diante do elevador, e ficou olhando pra mim com os cantos da boca em curva ascendente.

Eu também fiquei olhando pra ele. Só havia os dois, seres sobrenaturais, ali naquele hall; era sobrenatural que nos encarássemos fixamente, com predisposta simpatia. Não é todo dia que ocorre um alinhamento planetário desse calibre. De meu mirante particular - creio que nesse dia com um metro e noventa e três devido ao salto -, não conseguia despregar a atenção da criatura minúscula e alva, que retribuía da mesma forma. "Que cara mais esquisito. Parece o Sivuca"...

Quando o elevador finalmente chegou, entramos juntos. Apertamos o mesmo andar. Quase os dedos indicadores um do outro. “ET phone home”. Nos reconhecemos. Sem dizer uma palavra, mas com um sorriso querendo nascer gargalhada, continuamos nosso diálogo telepático de extraterrestres de mundos distantes.

Um cavalo marinho passou galopando. Saci Pererê apertou todos os andares, eu acho. Gnomos e elfos flutuavam entre as luzes e sombras. Uns tilintares e reco-recos espirituais ecoaram no espaço mínimo.

O elevador parou no nosso andar. Descemos. Ele não agüentou e me estendeu a mão. Eu lhe dei a minha, agora com a alegria da sonoridade real que tanto esperei ouvir nesses infinitos minutos. "Muito prazer! Meu nome é Hermeto Pascoal."

LEIA TAMBÉM:

"a necessidade da graça"

"remember the king"

"primeiro conto: o jardim"

24 de março de 2008

praaaaaaaaia!



















Vista do quarto do hotel onde fiquei, em Vila Velha (ES)...
Clique na foto para ampliar.

16 de março de 2008

constantes inconstantes

um instante importante
ausente
a salvadora constante
presente
um vínculo real
parábola
entre os vincos do tempo
análoga

passado perdido
futuro repetido

a minha constante é uma inconstância pétrea.

5 de março de 2008

plástica

Faz alguns anos, acho que tinha uns 30, em crise com tudo na vida, resolvi procurar um cirurgião plástico famoso.

Queria um nariz reto. Tem uma alturinha estranha no meio dele.
“Onde?”
Aqui ó.
“Ahhh...”
E uns seios maiores também. Meus seios são muito pequenos. Acho que o silicone vai resolver todos os meus problemas.
“Deixa eu ver.”
Ó.
“Hummm...”
Pensei também em tirar essas gordurinhas laterais aqui. Eu coloco calça apertada, elas saltam pra fora.
“Gordurinhas...”
É.
“Sei...”
Acho que eu preciso de um preenchimento no bumbum. Tem um buraco enorme de um lado.
“Buraco?”
Algo como um buraco.
"Enorme...”
Ah, tenho pouco queixo. Queria ter um queixo pronunciado. Mas isso eu não sei bem como pode ser feito...
“Eu sei.”
Puxa, que bom!

Depois de muito me ouvir e me examinar, o cirurgião plástico famoso me mandou de volta pra casa, dizendo que eu não precisava dele.

Foi o dia mais feliz da minha vida.

17 de fevereiro de 2008

breve reaparição

(Basta um bom motivo para a vontade voltar)


cloverfield – outro monstro

Acordei tardia e confusa. Acabou o horário de verão, tinha três marcações diferentes nos relógios da casa: 8h35, 9h36 e 10h34. Escolhi uma delas, aleatoriamente, e fui tomar café. De qualquer jeito, estava com fome.

Poucas horas de enrolação e preguiça mais tarde, descobri que tinha sorteado a hora certa e resolvi ir ao cinema, para aproveitar um ingresso que ganhei de presente do cartão de crédito. Acho que ando gastando demais.

O nome do filme era “Cloverfielf – O Monstro”. Alguém tinha me dito que estavam propalando por aí que era o “máximo do pós-moderno”. Com toda a sinceridade, depois de assisti-lo atentamente, é forçoso fazer uma primordial advertência aos possíveis espectadores desavisados: não se entupa de comer antes de ir conferir o título.

Pelamordedeus, não vai encarar uma feijoada antes de “Cloverfield”. Isso é um perigo!

Confesso que comi uma pizza Hut pequenininha, individual, com massa pan. Não fiquei saciada, mas mesmo assim, lá pelos quinze primeiros minutos do “Monstro”, já estava me acabando de azia. Olhei para trás no final da projeção e tinha gente meio verde, como o protagonista, se recuperando para levantar da poltrona.

Se você ainda pretende ver o filme (depois de uma saladinha preferencialmente), é melhor parar por aqui.

Logo de cara, quando acaba o trailer e as luzes se apagam de verdade, fica todo mundo pensando que deu pau na projeção. Ouvi até uns comentários inocentes nesse sentido. Mas não foi nada disso.

Acontece que a fita, da Bad Robot, os mesmos produtores da aclamada série “Lost”, é toda rodada de dois pontos de vista básicos: uma câmera de telefone celular (com a melhor definição que eu já vi na vida) e outra câmera amadora, tipo MiniDV (com a melhor definição que eu já vi na vida).

A primeira aparece apenas no comecinho. A segunda, que domina a cena do resto do filme inteiro, é operada por um sujeito meio idiota, que nunca tinha filmado nada em sua inepta existência (que, aliás, terminaria definitivamente uma hora e meia depois).

O fato é que, esse cara, o Hud, sem a menor noção nem de ridículo, nem de privacidade, nem de enquadramento, se mete em tudo e, por isso mesmo, tem nas mãos o fio narrativo – e nossos frágeis estômagos também. Ele é o olho e a escada – e a indigestão. Afinal, Rob, o mocinho da história, precisa de alguém que documente seu heroísmo.

O tema em si é original: no melhor estilo Godzila detona Tóquio – não é à toa que um dos personagens principais ia se mudar para o Japão – uma criatura interplanetária gigante resolve destruir Nova Iorque... (Pensando na viagem que devo fazer em maio, a ânsia de vômito começou).

Balança, sacode, corre, chispa, joga, pula, cai, larga, segura, puxa, treme, grita, atira, desmaia, desaba, levanta, assusta, briga, jorra, sobe, desce. O filme quase todo é ação: os incautos em desespero total na escuridão da noite na cidade invadida.

Me senti dentro daquele brinquedo macabro do parque de diversões, que tem plaquinha de proibição para cardíacos na entrada e chacoalha você de cabeça pra baixo até as vísceras trocarem de lugar com o cérebro.

Bem, não vou contar o filme inteiro, não se preocupe, curioso. Duas mil sacudidas frenéticas depois, concluí que o mais interessante de “Cloverfield” é que no final, por sorte, dá tudo errado. Antigamente, Godzila voltava, mas no final nunca vencia! Agora... Quanta pós-modernidade... É o sinal dos tempos.

E por falar em tempo, nem sei mais que horas são, mas percebo que a minha azia vai ficar monstra. Droga de pizza.

6 de fevereiro de 2008

os pássaros



A linha quer o pássaro
Ele fita o céu e segue
O fio que liga nossos desejos

Céu e linha costurados

Por um fio
Pela vida
Para as fitas
Pelos pássaros

que sonhei...


30 de janeiro de 2008

uma grande festa

Bibi tá surtada. Um surto de alegria inesgotável, já faz quase um mês. Desde que chegou à minha casa, vinda de uma gaiolinha no veterinário, que dividia com a mãe e o irmão, ela não para de correr. Ela não para um segundo. Parece que descobriu um admirável mundo novo, uma enormidade de espaço nunca antes vista, naqueles poucos metros quadrados, e precisa aproveitar logo, porque, talvez, na cabecinha dela, possa acabar um dia. E nesse deslumbre da física e do aconchego, sobe no sofá, cai de cabeça, entra no armário, debaixo da cama, em cima da mesa, dentro da máquina de lavar, não consegue frear, se agarra no tapete, se estabaca em todo canto, come muito, muito, muito, contente! Tudo para ela e suas unhas afiadas é uma grande festa! E assim, vendo essa felicidade toda, ininterrupta, vou querendo ficar feliz também.

27 de janeiro de 2008

esbarrão

Oi! Tudo bem?
Oi.
Nunca pensei que fosse encontrar alguém do meu tamanho nessa festa!
E não encontrou.
Eu encontrei você!
Ah...
Prazer, eu sou o Flávio!
Prazer.
Qual o seu nome?
Marcya.
Então me dá um abraço, Marcya!
(Dou dois beijinhos rápidos com a mão na frente).
Não precisa ficar com medo de mim, eu sou um cara legal!
Eu não tenho medo de nada.
Mas você nem me deu um abraço!
Olha, eu não te conheço, nunca te vi, então acho super-natural não te dar um abraço...
Eu não sou daquele tipo não.
Que tipo?
(Pausa, música, bebida, retoma)
Pô, você é pior que a minha irmã.
A sua irmã...
É, ela é cheia de coisa, não chega perto, as amigas dela são igual.
O que me faz pensar então que o problema seja seu.
Hehehehe! Você é engraçada!
Obrigada.
(Pausa, música, bebida, retoma)
Você é daqui?
Daqui de onde... Do barco?
Não, daqui, da cidade...
Não, sou do Rio.
Ah, eu sou de Uberaba.
E está fazendo o que aqui?
Vim com meus pais.
Seus pais... E isso faz muito tempo?
Faz, muito tempo.
Quantos anos você tem?
Chuta.
Ahnnn... 25?
Não, mais!
26.
Não, quase.
27.
Acertou! Eu envelheci muito cedo. Pareço mais velho do que sou.
Bem, considerando que eu te dei 25, não, você não parece mais velho do que é.
Ahn... E você?
Eu tenho dez anos mais que você.
37??!!
No somatório, é o que parece.
Você não parece ter 37...
Mas tenho.
(Pausa, música, bebida, retoma)
E eu ainda moro com os meus pais.
Você vai passar dessa fase. Eu saí de casa com 25.
Ahn...
Com licença, vou cumprimentar um amigo ali.
Você já vai?
Vou.
Prazer, viu? Você é linda!
Obrigada.
A gente se esbarra por aí.
É, a gente se esbarra.

25 de janeiro de 2008

encenação 2008

Fotos da encenação anual da fundação da Vila de São Vicente, a primeira cidade do Brasil. Foi lá que estive nos últimos dias, filmando e fotografando o espetáculo. Clique na imagem para ampliar:














23 de janeiro de 2008

ossos do ofício

Tia, me filma!
Tia!
Me filma!
Que canal que é?
Hein?
Que canal?
Onde passa?
Como faz pra ver?
Tia, manda o DVD pra mim?
Que dia que passa?
Você é da Globo?
Eu vou aparecer na Globo!
Nem é da Globo!
Se não é da Globo eu não quero não...
Eu já apareci na matéria da Globo.
Já me filmaram ali!
Ah, não é de foto não?
Mostra eu, mostra eu!
Deixa eu me ver aí na câmera?
Onde liga?
Apareci bem de pertinho!
Uhuuuu!
Tia, olha só isso!
Olha só!
Eu cobro cachê...
Olha a gente aqui!
Me filma!
Tiaaaaaaa!

19 de janeiro de 2008

18 de janeiro de 2008

a necessidade da graça

Eu era uma menina - nada pequenina - que queria ser bailarina.

De tanto pedir, insistir, chorar, implorar, rastejar, querer com toda a força, minha mãe resolveu, mesmo com sacrifício, me matricular na academia de balé. Foram apenas seis meses.

Afinal, poderia ser importante para a minha vida futura essa tentativa de contornar a inata falta de graça. Não adiantou muito. Eu já era grande, onze anos completos, enquanto as outras meninas dessa idade iam lá pelos níveis avançados de sapatilha de ponta. Eu decorava os compassos, as posições e seus nomes, mas ficava sempre dura demais, naquela rigidez própria de quem nunca se atreveu. Se bem que os óculos de lentes grossas também não ajudavam.

Num dia de chuva forte que me pegou desprevenida, eu, que ia para a aula de ônibus, fiquei ilhada ali, de sacolinha, meia-calça branca e collant rosa, sentada na porta da academia. Foi quando apareceu na minha frente, de guarda-chuva na mão, o marido da dona. Uma vez havia ouvido alguém dizer que ele era um artista de verdade, consagrado e reverenciado, apesar de eu nunca antes tê-lo visto.

Sorridente, muito branco, uns olhinhos amendoados, achou graça de mim – a graça!

“Tem medo de água, gato escaldado?”

Agora eu é que achava graça dele.

“Vamos que eu levo você de carro. Não vai se molhar não!”

Fui com a família: junto a mulher, ex-bailarina, e o filho pianista. Coubemos muito bem, todos dentro do fusca que ele mesmo dirigia. Colocaram-me no banco da frente e a conversa-quase-monólogo continuou.

“Você dança há muito tempo? E os óculos não atrapalham? Pode ser que óculos atrapalhem uma bailarina, não acha?” E ria.

Prestando uma atenção danada, eu balançava a cabeça, concordava, ria com ele, e me esforçava como nunca para ser graciosa.

“O senhor é artista?”

“Todo mundo é... Você também! A minha arte é a música. Gosta?”

Assenti e ele começou a cantarolar baixinho e gesticular com vigor, olhando pra mim de vez em quando. Não entendi muito bem, mas foi como um encanto: me desprendi do mundo nos movimentos e na melodia. Num instante chegamos a minha casa.

“Pronto, está entregue. Foi um prazer conhecê-la, senhorita bailarina.”

Era a primeira vez que alguém me chamava de bailarina. Sorri e fui andando em direção ao prédio, pés leves e mãozinhas curvadas.

Eu não sabia direito o valor daquele homem. Mas tinha percebido a existência da graça! Nas palavras, nas brincadeiras e nos gestos, que ele me mostrou brevemente, em suas várias manifestações, no caminho de casa, dentro daquele fusquinha. Nunca mais esqueci.

Ele era o maestro Cláudio Santoro.

(Essa cena ocorreu de verdade, no comecinho da década de oitenta. N. da A.)

12 de janeiro de 2008

nas alturas

Lá de cima,
Das alturas geladas onde vivo,
Olhei para baixo.

As girafas que passaram,
Se perguntando do tempo,
As encarei nos olhos.
Seus cílios enormes
Varreram minhas lágrimas
Pour toujour.

Os postes nos quais esbarrei
Perderam as lâmpadas
Nas minhas idéias.
Suas luzes aqui
Brincam em clarões graves
E relâmpagos vagos.

Os passarinhos acreditaram
Meus cabelos folhas vermelhas
E meus dedos ramos alvos.
Fizeram ninhos nos meus ouvidos
E até agora escuto
Sua melodia pelo ar.

Olhei para baixo,
Das alturas geladas onde vivo,
Lá de cima.

E percebi que ainda posso alcançar o chão.

10 de janeiro de 2008

só eu

Eu já quis ser

Mafalda
Nefertiti
Jessica Rabbit
Marilyn Monroe
Amélie Poulin
Maria Callas
Nadia Comaneci
Ana Pavlova
Ava Gardner
Helena de Tróia
Edith Piaf
Princesa Anastacia
Elke Maravilha
Gisele Bündchen
Kate Austen
Madre Teresa de Calcutá
Dona Beja
Cinderela
Angelina Jolie
Omara Portuondo
Joana D’Arc
Cleópatra
Nísia Floresta
Simone de Beauvoir
Camille Claudel
Brigitte Bardot
Rita Lee
Clarice Lispector
Audrey Hepburn

Mas eu
Sou só eu.