25 de setembro de 2006

os sapos











(com a soberba de parodiar Manuel Bandeira)

Vão os sapos se enfurnando
Na garganta bem profunda
E aos pulos engordando
Entalados na penumbra

A luz nem procuram, se a temos.
Enterram-se, os verruguentos,
E quando os esquecemos
Berram alto, lá de dentro.


Tantos sapos engolidos
Que a cantarola sem fim
Martela em meus ouvidos
“Foi”, “Não foi”, “Foi sim”!


Asco verde, gordo e feio,
Gelado de acre gosto
O alívio que não veio
Me estrangula num sufoco!

A saparia malévola
Repete-se ao infinito
Frio soluço na treva
Que não desce, nem no grito!

Fiquem, sapos da minha vida!
Pouco importa o que me lembrem
A mim não deixarão saída
Pra me despertar, coaxem! Sempre!

24 de setembro de 2006

a exterminadora do futuro

Ziiiim Ziiiiim Uooooo Uoooooo Zuuum Zuuum...
Brasília, 21 de setembro de 2006.
Aproximação ocorrendo conforme o programado.
Cadê ela?

Eh, uh, ahn...
Será que é aqui mesmo?
Marcya? No lounge do segundo andar. Mas eu não recomendo que entre lá desarmado...
Estou programado para me defender.
Você é quem sabe... Eu avisei...
Putz, me mandam pra cada lugar...
Ei, quem é esse cara?
Garçooooooooommmm!
Penetra... Ui!
Oba, vai ter streap-tease!!!
Meu amigo, isso aqui é uma reunião particular de mulherzinhas que não se vêem desde o segundo grau...
Ai!
Até que ele não é de se jogar fora...
Muito velho...
Você é a Marcya?
Sou eu sim.
Bem, eu venho do futuro com uma missão...
Do futuro? Jura?
Sim, a minha missão é...
E você me viu lá?

Sim. Mas...
E eu estava bem?
Bem...
De que futuro exatamente você veio?
Do ano de 2030 e...
Puxa, e eu estou bem?
Ahn... Muito bem.
Com sessenta anos! Seu bajulador... Isso quer dizer que eu fiz plástica?
Eh, uh, ahn... Acho que sim.
Que desaforado. Como você pode ter tanta certeza?
Eh, uh, eu... Ziiiim Ziiiiim Uooooo Uoooooo Zuuum Zuuum...
Minha filha, você está dando tilt no bofe!
Dando tilt, que coisa mais antiga! Alguma coisa ainda dá tilt hoje em dia?
Acho que ele é da polícia.
Não, da polícia ele não é que eu conheço a galera!
Acho que ele bebeu demais. Tá com uma cara de que vai vomitar...
Com essa roupinha de Village People... Acho que ele é gay!
A minha missão... Ziiiim Ziiiiim Uooooo Uoooooo Zuuum Zuuum Zuuum Zuuum!
Ai, rapaz você tá tão desorientado...
Sai do armário...
Ele é o armário!
Uuuuuuuui!
Quer dizer que ele não é o garçom?
Programação temporal indo pras cucuia... Uooooo Uoooooo Uooooo Uoooooo.
Eu falei que ele era gay...
Ei, bem, para com esse papo, senta aí, bebe um Lambrusco e abre seu coração...
Mas, mas, mas... Zuuum Zuuum Ziiiim Ziiiiim... O futuro...
Com tanta coisa pra pensar aqui no presente?
Deixa isso pra lá e tira uma foto da gente... Você vai se divertir muuuuuuuito mais.

10 de setembro de 2006

inquisição

O gato me observa.

De vez em quando ele faz assim. Escolhe um bom lugar, senta-se diante de mim e estático fica, como uma escultura egípcia, de olhos arregalados, a me perceber, com sua sutil sensibilidade felina.

Gato, para com isso.

Sinto-me inquirida. Que é que você quer com esse olhar azul? Tem ração. Tem agüinha. Tem leite. Tem ratinho de brinquedo. Tem cadarços. Tem poltrona de tecido. Tem quentinho. Tem novelo. Tem bola de papel amassado. Tem janela aberta. Tem graminha. Tem caixa. Tem armário. O que mais um gato pode querer, pergunto.

Fala!

Ele pisca uma vez ou duas. Considera. Analisa. Ameaça soltar uma ironia. E permanece ali, a me hipnotizar. Ah, esqueci de dizer: o gato é fêmea.

Não me assusta não.

Dizem que o gato vê o outro mundo. Ou um outro mundo, na perspectiva flexível daquele que é capaz de sempre, sempre cair de pé.

7 de setembro de 2006

movimento 36










Num milésimo de segundo dramático, Deep Blue desafia Kasparov. Raciocínio filosófico, conceitual e brilhante.

Duzentos milhões de cálculos por segundo e a máquina se torna humana pela primeira vez. Kasparov volta a ser só Garry. Blue vence. Era o lance 36.

Agora sou eu. Estou aqui, diante dele. E mal e mal sei jogar xadrez.

O movimento anterior me imbuiu de dúvidas e dor. Em 35 jogadas, cometi desacertos imperdoáveis. Alguns lances de mestre, sou obrigada a admitir. Mas o fato é que o conjunto deles me levou a esse Xeque.

O relógio me empurra na pressa do tiquetaque. O jogo não para. E o rei pode morrer.

3 de setembro de 2006

dindinha










Madrinha fadada...
Longe de ser fada
Talvez enfadonha
Ou fade-out.

Com sua varinha curta
Mesmo sem condão
Transformou abóboras em doces!
Ratinhos em pelúcia!
Carruagens em carrinhos de brincar!

Dindinha se esforça
Espera aquela agüinha
Na maior expectativa
E quer muito não perder o sapatinho
Antes do meio-dia...

Príncipe encantado

De tudo ri.
Enzo nem sabe
Mas quem faz a mágica

É ele!