31 de janeiro de 2009

a coruja

Eu estava passando pela placa de "proibido estacionar" e tinha uma coruja estacionada nela. O bicho girou a cabeça 180 graus para acompanhar o meu caminho com aqueles olhões amarelos. Acho que ninguém viu a coruja, só eu. A placa era muito alta. Nos encaramos uma à outra, quase de frente, apesar de meu pescoço não girar 180 graus. Por um segundo, ventou um receio de que ela me atacasse, pressentindo perigo para alguma ninhada escondida por perto. Mas não. Ficamos cúmplices. E acho até que ela sorriu pra mim.

23 de janeiro de 2009

a bailarina (sem noção)

Esta menina,
Enorme desse jeito
Quer ser bailarina.

Conhece dó e ré,
Mas mal e mal para em pé.

Conhece Mi e Fá,
Mas quando inclina o corpo é tombo na certa.

Conhece lá e Si,
Mas arregala os olhos e cai na gargalhada.

Roda, roda, roda, raspando o teto com seu bração,
Fica tonta e se esborracha no chão.

Põe no cabelo um arco de florzinha
E diz que já se acostumou a levantar sozinha.

Esta menina
A essa altura do campeonato
Quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as cobranças
E vai pagar mico, se acabar nas danças!

22 de janeiro de 2009

morango e chocolate

Assisti a "Morango e Chocolate" e fiquei fascinada com aquele lugar. Agora eu precisava tomar sorvete de morango e chocolate na Coppelia, senão meu filho poderia nascer com essa cara. De morango, de chocolate, de sorvete ou de Coppelia. Vivia um desejo alucinado de encarar a fila, sentar naquela mesona enorme e torcer para que os sabores do dia fossem morango e chocolate. É que ali não tinha querer. Eles serviam o sabor que tivesse no dia.

Anos depois, fui até lá.

Nessa tal fila, tinha de tudo. Todo o tipo de gente estranha: putas de sapatos de plataforma, crianças de uniforme de escola, trabalhadores braçais, avós de alguém, turistas branquelos de óculos escuros, estudantes fazendo farra. Era tanta gente que dava mais de uma volta no quarteirão. O último podia enxergar o primeiro do seu lado. Alguns levavam suas próprias colheres, o que me fez pressentir que talvez lá dentro todo mundo compartilhasse dos mesmos talheres, como manda um bom comunismo, conjugando babas das mais diversas origens.

Mesmo sem colher pessoal, fiquei lá, por quase duas horas, tostando no sol. Ainda dei essa falta de sorte, de ir num dia de intenso calor. Mas havia todo o charme envolvente da situação, que me dava forças para insistir, ainda que suada e queimada.

Entravam na sorveteria grupos de vinte, se não me engano. O negócio era como uma corrida. As pessoas sentavam, os sorvetes eram servidos e havia um tempo para comer, senão tiravam as taças antes que terminassem. Pelo menos a brincadeira saia barata. Duas bolas custavam um peso cubano, ou seja, praticamente nada.

Quando estava bem perto, algo como a sessenta pessoas do início da fila, alguém saiu dizendo que só tinha sabor baunilha. Foi uma decepção terrível. Baunilha?! Pensei muito e resolvi desistir. Depois de todo o esforço, não aguentava mais aquele sol inteiro só pra mim, um sacrifício desproporcional à descorada baunilha. Voltaria, num dia frio, chegaria mais cedo, sei lá.

Foi quando ouvimos que a barraquinha que havia em frente à Coppelia vendia o mesmo sorvete. Só que ali era mais caro, aliás muito caro, para os turistas das excursões que tinham pressa e não podiam esperar na fila. Havia colheres individuais e era permitido também escolher os sabores. Tinha até casquinha. Resolvemos pagar – com dólar – pra ver. Ou degustar. Morango e chocolate, claro.

E era ruim, viu? Muito ruim. Péssimo. Era sorvete feito com água; nada de leite, nananina. O gosto era genuinamente artificial. Na verdade, não consegui distinguir muito bem um sabor do outro. Parecia tudo igual. Acho que foi, sem muito titubeio, um dos piores que já tomei na vida. Depois de quase um ano vivendo na ilha, eu deveria ter imaginado que seria assim.

A fila nunca mais me pegou. Mas todas as vezes que passava em frente à Coppelia, me sentava e ficava olhando para ela. Aquela gente toda esperando por morangos e chocolates que não iam vir. Descobri que os enganados mentem, espalham que o sorvete é ótimo, uma iguaria, como numa peça de mau gosto, para o ouvinte ficar encantado e as ganas o transportarem um dia para aquele lugar exótico, com sabores cubanos que nunca existiram de verdade em Cuba, como num filme de cinema.

15 de janeiro de 2009

o que os amigos dizem

Estou com dor de dente há dias. E, literalmente, sangue no olho (como diz minha amiga Fabiana), mas é porque tive um derramezinho ocular. Derramezinho nada. Estava enorme e, grudado na minha íris verde, parecia um quadro abstrato de artista plástico japonês (como disse meu amigo Pedro Henrique).

Enquanto isso, o dente dói. Acho que foi porque plantei uma bananeira perfeita na aula de yoga e os meus maxilares irrigaram demais a raiz. Da bananeira não, do dente. Minha amiga Maria disse que estava perfeita e me deu os parabéns. Mas não consegui uma consulta de emergência e esperei pacientemente por três dias para ser atendida com hora marcada. A dor aumentou. Descobri com tristeza que o meu dentista lindo se casou. Nem sei porque me entristeci. Fazia mais de dois anos que eu não ia lá.

O sangue no olho amedrontou todos os meus amigos, menos eu, que não conseguia visualizar aquela mancha vermelha, a não ser bem de perto no espelho. Por insistência deles fui à emergência do serviço médico da Câmara e, como foi um clínico que disse que não era nada, ninguém acreditou. “Vai num especialista!” – disseram em uníssono. Fui ao oftalmologista, que não era casado, mas também não era lindo. E ele repetiu que não era nada mesmo. “Só um derramezinho ocular”. Vai passar em quinze dias. “Até um espirro pode provocar isso”. Um espirro. Aposto que foi a bananeira que eu plantei.

Minha mãe falou que eu não devia mais ficar plantando bananeira na aula de yoga. Olha a minha idade.

E o meu dentista lindo, que não é meu amigo por assim dizer - temos uma relação estritamente profissional - não disse nada. Nem reparou o sangue no olho.

Minha amiga Maíra sempre pergunta: "por que as coisas são assim?"

10 de janeiro de 2009

se meu apartamento falasse

O piso está ficando cheio de riscos. Eu ando de salto, pra lá e pra cá, apesar de ser tão alta descalça. Para ganhar impulso, os gatos cravam as unhas no chão na brincadeira de correr. Tenho mania de trocar os móveis de lugar. Arrasto tudo sozinha. Depois olho pra baixo e vejo os rastros de minha obra. Porcaria de laminado. Espero que o proprietário do apartamento não se lembre muito bem como ele era antes. Corro riscos.

Tenho um verdadeiro ódio daquele lustre da sala. Ódio mesmo. Me recosto na minha maravilhosa poltrona vermelha de design (que eu amo) e fico observando aquilo ali. Aquele encosto de lustre. Um verdadeiro encosto. Quando penso em algo muito ruim lembro do lustre, imediatamente. Tipo Laranja Mecânica. Que espécie de pessoa coloca uma aberração dessas no meio da sala?

E tem a porta. É uma porta, essa porta. Coisa de gente, no mínimo, sem gosto. Com umas treliças falsas esculpidas na madeira (deve ser laminado também). Eu quero bater naquela porta, bater, bater, bater com força. Acho até que alguém já tentou isso antes, porque ela está meio torta pra um lado. Fica uma frestinha em cima. E para completar, a maçaneta é travada do lado de fora. Se é a porta que bate, adeus.

O quarto de televisão seria a suíte. Digo seria porque tem tantos armários, tantos, armários ensandecidos e genuinamente horrorosos, armários até no teto, até em cima da porta, até na janela... Que a minha cama não cabe lá. E nem eu queria dormir num lugar tão claustrofóbico, que parece que à noite, o monstro do armário de puxadores dourados vai me engolir.

As persianas verticais são velhas e não tapam claridade nenhuma. Tenho medo dos cordões arrebentarem quando puxo e chego a desistir de abri-las. Também, que diferença faz? Os suportes das correntinhas que unem uma persiana à outra são de plástico e depois de uns meses de sol direto começam a desmanchar na mão, feito biscoitinho de polvilho caseiro. Difícil de engolir. O passatempo favorito dos gatos é morder e puxar essas correntinhas, até arrancar tudo. Já perdi as contas de quantas "unidades de suporte plástico" comprei e instalei.

Detesto o rodateto. Fritei os miolos num árduo exercício de raciocínio lógico, para concluir que eram de isopor e não de gesso, como os convencionais. É que, bem em cima das portas de vidro, um pedaço dele ficou pendurado. Se fosse de gesso teria caído direto. Era algo surreal aquele rodateto com aspecto de gesso pendurado daquele jeito. Um desafio às leis da gravidade. Pensei em tanta coisa... Será que é de papel? Papelão. Ahnnn... Plástico. Ou, se tiver sorte, é apenas uma miragem, uma alucinação. Vai sumir quando eu abrir os olhos de novo. Putz. Continua ali.

Mas vamos falar de coisas que eu gosto no apartamento, além dos meus próprios móveis e objetos.

...

A vista do Lago Paranoá, lá fora.