23 de novembro de 2007

ediçãozinha qualquer

Mais ou menos como diria Drummond (se tivesse trabalhado numa tevê):

Câmeras entre fitas
ilhas entre roteiristas
carregar editar renderizar

O time code vai devagar
O set vai devagar
Até o fast vai devagar!
Devagar... Procuro janelas.

Putz, que vida... Que vida!

12 de novembro de 2007

diálogo imprescindível entre dois minúsculos elefantes desenhados





Ei...
Hum?
Ei!
Tá falando comigo?
Estou sim!
Que é que você quer?
Cheguei a uma conclusão.
O que foi?
É pra nossa própria segurança...
O que é? Fala logo!
Acho que não tem mais ninguém lendo esse blog...
Não?
Não.
Por que não?
Porque não!
Mas... E o contador ali em cima, indicando aquelas visitas?
Tou desconfiado que é ela.
Ela?
É!... Ela!
Ela como?
Acho que ela vai em vários computadores diferentes e fica digitando o link do site.
Aaahhh...
E manda spans para as tias que ela sabe que clicam em tudo.
Será?
Coloca fotos e envia o link para os amigos verem de vez em quando, como pretexto.
É... Pode ser... Isso faz sentido...
Na verdade não tem ninguém lendo não.
Mas você tem provas disso?
Tenho.
E cadê as provas?
Aqui embaixo.
Onde?
Nos comentários.
Que comentários?
Isso mesmo, não há comentários!
Ohhhh!...
Há muito tempo ninguém faz comentário nenhum!
Mas tem um "Anônimo" que vez ou outra solta alguma coisa.
Estou desconfiado...
Desconfiado de quê?
De que o "Anônimo" é ela!
Ela?
É!... Ela mesma! Simulando um leitor, como desculpa pra continuar escrevendo!
Puxa vida!... Você tem razão... É possível...
Então!
E agora? O que faremos?
Bem... Vamos rezar para o "Anônimo" continuar aparecendo... Assim a gente tá salvo!
E se o "Anônimo" sumir de vez?
Aí...
Aí???
Terá sido um prazer conhecê-lo.

7 de novembro de 2007

remember the king

Há alguns anos, fui conhecer Buenos Aires. A capital argentina me encantou em seus recantos, pela cultura e pela arte, pelas histórias fortes de poder e queda, por seus habitantes cheios de gentilezas e críticas, pela majestática decadência das ruas. Fiz o trajeto típico do bom turista: Casa Rosada, Plaza de Mayo, Recoleta, La Boca, Malba... Remexi tudo por ali.

Foi assim que, cansada, depois de muito andar pela Calle Florida, entrei em uma pequena lanchonete. O lugar estava tranqüilo, quase vazio. Pedi um café com creme, que veio rápido e me perfumou a alma, num buquê de espuma espessa. Esse cheiro todo magnético, mágica dentro de uma xicarazinha, me cativava entre todos os prazeres simples.

Como de costume, peguei a colherinha e ataquei primeiro o chantilly todinho, na frente, de entrada. Agora sim, o açúcar. Muito. Mexe. Prova. Que bom!...

Bem mais adocicada e aquecida, olhava para o movimento lá fora, através do vidro imenso da vitrine. Me distraí no transe do cheiro gostoso da bebida e comecei a cantarolar baixinho a música que sempre me vem sem querer quando estou feliz assim: “Wise men say... Only fools rush in... But I can’t help falling in love...With you...

“Também adoro começar pelo creme”. Olhei na direção daquela voz única. Vinha de um homem velho, que tomava o mesmo que eu, sentado à mesa ao lado. Balancei a cabeça, cantos da boca numa curva ascendente, em cumprimento, e me calei.

Devia estar perto de seus setenta anos e parecia ser alto. Os traços delatavam uma beleza envolvente, aliás, num passado nem tão afastado assim desses dias frios de junho. Os cabelos brancos formavam entradas largas sobre os olhos claros de tudo e, engraçado, de sobrancelhas escuras. Certamente tinha algo de extravagante, pois notei que, vestido de preto, calçava sapatos azuis, de camurça. Falava a língua da terra com um acento diferente, quase tão estranho quanto o meu. “Hola, señorita. Perdóname la audacia. Mi nombre es Aaron”, disse, sorridente. Aaron. Tinha um sorriso perfeito, puxado um pouquinho para a direita.

“Olá, senhor! Não se preocupe... Eu sempre começo com o chantilly porque o sabor é mais suave. Misturado ao café o gosto bom do creme some todo!”

“Verdade, verdade. É assim que faço também...”

Ficamos nos analisando, durante alguns segundos decisivos. Não sei dizer porque, mas o olhar direto daquela figura estranha me constrangia. Num debate interno à procura forçosa de uma resposta, fui fulminada por um flash de memória que incomodou. Ele me pareceu familiar.

“A senhorita não é argentina, suponho.”

“Não, não, realmente não sou.”

“Norte-americana?”

Achei graça da confusão. Meu espanhol devia estar uma droga... “Não. Eu sou vizinha, aqui do lado. Brasileira.”

“Ah, brasileira... É uma pena; eu nunca estive no Brasil, senhorita...”

“Marcya.”

“Senhorita Marcya.”

“Mas, tão pertinho, não vai faltar oportunidade, não é?”

“Bem, digamos que eu já esteja muito velho para viajar.”

“Velho? O que é isso? De jeito nenhum; o senhor está ótimo!”

Seu rosto se tornou todo alegre, pela ênfase da última frase.

“Faz tempo que não ouço um bom elogio de uma moça bonita! Às vezes faz falta!...”

Senti-me um pouco envergonhada. De repente me peguei praticamente flertando com um sujeito que encontrei à toa na rua e parecia ter mais idade que meu pai. Não sei o que me deu. Mas a verdade é que estava fascinada por ele. Nunca eu tinha visto antes, tão de perto, um carisma de tantos tentáculos, a me arrastar para dentro das pupilas cerúleas, da voz rouca e melodiosa, do café quente com creme. Agora não podia mais parar.

“O senhor também não é argentino...”

“Eu sou uma ponte cruzando águas tortuosas, querida. Um homem do mundo... Trancado em mim mesmo.”

“Posso adivinhar?”

“Adivinhe então; gosto desses desafios...”

“Ahn... Norte-americano?”

Consegui deixá-lo desconcertado. “Muito perspicaz! Muito perspicaz... A senhorita sempre faz adivinhações tão precisas?”

“Pode me chamar de você”, limitei-me a responder.

“Obrigado. Chamarei sim, com muita honra.”

Ele agora parecia um tanto desconfiado de mim. Olhou o relógio, que marcava quatro da tarde.

“Conheci tantas mulheres na minha juventude, tantas, tantas, e continuo um garoto na tentativa de entendê-las...”

“Não é preciso entendê-las. Basta descobrir como elas gostam de ser tratadas. É a chave do segredo”, falei baixinho.

“E como elas gostam de ser tratadas?”

“É como diz a canção: ‘Don't be cruel... To a heart, that's true…

Dessa vez, o homem ficou realmente preocupado e levantou-se, subitamente. O meu subconsciente me pregara uma bem armada peça.

“Preciso ir embora agora... Me demorei demais aqui. Mas a companhia justificou tanta atenção. A senho... Você... É uma moça encantadora!”

“Senhor... Já não o vi antes em algum lugar?”

“Talvez... Quem é que pode saber?”

Um relance de lembrança correu outra vez na minha frente, brincante, fugitivo, querendo me confundir. Voltei aos meus seis anos de idade, a um noticiário de tevê, a um disco de vinil tocando no volume máximo, a lágrimas sentidas. Comecei a rir. Tudo isso era uma grande loucura. Não podia ser.

You were always on my mind”, arrisquei, numa saudação amorosa de profunda reverência.

O homem virou-se, um tanto surpreso, beijou minha mão com carinho e ofereceu aquele sorriso lindo aos meus olhos molhados, pela última vez.

I’ll remember you”, respondeu ele.

Colocou os óculos escuros, baixou a cabeça e saiu pela porta de vidro caminhando sem pressa, até sumir no meio da multidão da calle, deixando para sempre dentro de mim o sabor doce do creme e o cheiro inesquecível do café daquele lugar.

3 de novembro de 2007

joaninhas impossíveis


Quando eu era menina, de assim uns sete anos, tinha uma coleção de joaninhas. Esse bichinho pintado, que vivia aos mil nas plantinhas dos anos 70, e por isso podia até ser colecionado, de repente sumiu de junto do olhar da gente. Não sei se foi porque eu cresci e passei a reparar menos nessas pequenezas bonitas que as crianças enxergam. Mas acho que não.

Aliás, penso até que percebi o primeiro sinal do estapafúrdio que virou o clima do planeta quando voltei à árvore da minha infância e procurei, procurei, procurei... Achei uma, uminha só. A última joaninha.

Antes não. Nas árvores por aí, em especial nas amoreiras, encontrava delas aos montes, dezenas, com manchinhas variadas na carapaça das costas. Brancas com pintinhas pretas. Pretas com pintinhas vermelhas. Vermelhas com pintinhas pretas. Que alegria boa que me dava de achar as cores todas num mesmo dia!

Pegava a caixinha de fósforos vazia, daquelas com um olho desenhado no rótulo. Forrava com folhinha de amora e ia caçar. Olhava para cima até ficar de pescoço doído. Catava com carinho e elas retribuíam passeando nas mãos, passadas de uma pra outra, fazendo cosquinha, perninhas rápidas, obedientes, sem voar. Mesmo assim, eu as colocava dentro da caixa e levava pra casa. Acho que ninguém nunca soube. Pode parecer maldade, mas não era não.

É que me vinha uma felicidade que se derramava em sorrisos, isso só por vê-las passear pela superfície lisa do vidro de maionese onde eu guardava amorosamente a minha efêmera coletânea. Durava apenas um dia. Um dia, que era o tempo que eu achava justo aprisionar uma joaninha. De manhã, me levantava cedo e as libertava todinhas pela janela. Ficava olhando cada uma despertar, esticar as asinhas e partir num zumbidinho surdo. Em segundos, desapareciam no azul do céu, no vermelhão dos redemoinhos daquela época, no verde aventureiro que escalava até o quarto andar do prédio.

Desde então, creio que desenvolvi um contato extra-sensorial com as joaninhas, como se fosse teleguiada. Elas é que me aprisionavam agora. Nos cantos mais bizarros do mundo me deparo com uma. Uminha só.

Há dez anos, em Tanger, no Marrocos, entrei num navio para fazer a travessia até Algeciras, na Espanha, vinda de uma primeira viagem ao deserto. Estava muito bem no convés, olhando a água que se alastrava perfeitamente ao redor da embarcação, como tem que ser, sem vista de terra firme. Vai daí que sinto a familiar cosquinha no braço. Olho, era uma joaninha, uma joaninha mesmo, que achou de pousar em mim ali, no meio do oceano. Brinquei muito com ela, como de costume. Não voou. Tirei fotos, mas o close da joaninha não ficou muito bom. Houve quem não acreditasse.

Em Roma também, já se faz nem sei quanto tempo. No meio das ruínas antigas, eu com um mochilão nas costas - acho que me confundiu com uma delas, super-ultra-mega desenvolvida.

Mais uma apareceu na capital de Botsuana, Gaborone, num passeio ao parque local. De janelas abertas, nem desci do carro, lá vem a bolotinha voadora. Aterrissa no meu ombro, como o papagaio do pirata. Faz nada não. Deixa ela aí. Meu cabelo tá preso. Eu não capturo mais joaninhas.

A última foi a que notei no casaco branco de minha mãe, no meio da multidão de uma loja de departamentos em Madrid. Mas houve outras, muitas outras, que já nem me lembro mais.

Talvez elas façam parte de uma sociedade secreta, da confraria das joaninhas que pretendem salvar a Terra - tomara que consigam. Eu, que não tenho fé em nada, com elas, ao contrário, sempre tive certeza de que carregavam algo de especial. E continuo a acreditar. Talvez o meu papel nesse plano seja o de escrever essas coisas. E talvez se possa dizer – e claro, digam sim! - que eu sou alegremente manipulada por joaninhas impossíveis.

1 de novembro de 2007

Mar se há

Olha, eu não vou à praia porque não posso, porque a praia fica longe.

Mas eu gosto do gosto do sal na boca depois do mergulho
Da dormência que a areia traz no crepitar na pele
Da água quente aqui dentro
Da espuma esfinge
Das conchinhas perdidas por seus moluscos
Do ventinho, contando umas piadas
Do mordiscar das ondas nas pernas
Do enterrar dos pés aos pouquinhos
Daquele cheiro de maresia
Que me leva de volta ao lar.