26 de outubro de 2006

o monstro da lagoa negra










Ele saiu das águas esbaforido. Um monte de gente correndo atrás, fugindo, gritando... Gente. Se não é nada fácil ser gente, imagine esse negócio de ser um monstro. É uma carga muito pesada para o indivíduo, entende? Meio elo perdido, meio anfíbio, meio popstar, o Monstro da Lagoa Negra... Tananammm (grave)... Tananammm (agudo)... A trilha sonora específica, toda a vez que aparece em cena... Pode causar traumas profundos.

Apesar de tudo, a patinha escamosa de unhas cortantes tinha polegar opositor. Muito humano isso. É bem verdade que não sabia exatamente como fazer uso dele. Acabou sufocando uns brasileiros no filme, coitado, acho que só queria fazer amigos, dar um abraço apertado. O povo brasileiro é tão caloroso... Mas o Monstro da Lagoa Negra – Tananammm (grave)... Tananammm (agudo)... – não tem sentimentos. Como todo o que é diferente, foi julgado e condenado antes mesmo de saber que precisava se defender.

O erro do monstro foi se apaixonar – esse é o erro de todos os monstros! E bem por uma gringa, a mocinha do filme, logo ele, um monstro amazônico, verdinho, exímio nadador, cheio de grunhidos tropicais. A mocinha não sabia – nunca sabem – e nem queria saber, se o monstro estava valendo a pena. Não falava a língua dele, tapava os olhos, quebrava o eixo, se esgoelava, não percebia a grandeza de suas intenções. O monstro só queria ser amado.

A Lagoa Negra é o seu lar. Preso ali vive livre e feliz. Não precisa se importar com o que pensam dele. E quem invade seu mundo, tem que se apresentar verdadeiro.

Eu procuro entender o monstro. Quem é que, vez ou outra, não se sente um?

O Monstro da Lagoa Negra – Tananammm (grave)... Tananammm (agudo)... –, debaixo daquela fantasia, sou eu.

23 de outubro de 2006

pifada

Estive de viagem.
Minha internet pifou.
Não tenho tempo para escrever agora...
Estou trabalhando!
Por favor, não mudem de canal!

15 de outubro de 2006

gato mia

Hoje o gato amanheceu falando. Olhei pra ele e disse “gato não fala”, no que respondeu “quantas vezes preciso repetir que sou fêmea?” Quantas vezes? Várias vezes. Por favor, queira repetir várias vezes. Estou muito interessada em ouvir. Não é todo dia que a gente vê um gato falante. Desculpe. Gata. Por que você não disse isso antes?

Sempre chamei o gato de gato. Desde que o encontrei, lá se vão cinco anos e doze filhotes. Passamos poucas e boas juntos. Várias casas, apartamentos, viagens, brigas, temporadas na casa da mamãe, pisões no rabo, arranhões, miadaria no meio da noite, idas ao veterinário, ratinhos de brinquedo e de verdade, lagartixas, sumiços, bolas de pêlos, pêlos e mais pêlos, ronronares, toneladas de areia, espreguiçadas, manhas e dengues.

“Que é que você quer? Diga logo. Só não venha me dizer agora que é a minha consciência”. Ele disse “não, não sou a sua consciência. Sou a sua desculpa”. Droga de gato chato. Só podia ser gata. As fêmeas são tão existencialistas! Era só o que me faltava...

“Desculpa? Que desculpa?” – perguntei. “Você já tem tudo o que precisa pra ser só.” – respondeu o gato. “Toda vez que eu mio, escondida no escuro, você vem me encontrar. Me coloca no colo, brinca um pouco, se senta no sofá, calça os chinelos e voltar a assistir à tevê.” – continuou. “Mas você nem mia mais! Agora você fala!” – revidei. “Isso”, ele falou mesmo, “é pra você parar de me procurar. Deixar de tatear no nada conhecido das suas paredes, à procura do gato que, garanto, vai estar sempre aqui. No mesmo lugar.”


Olhei através da janela fechada. A tevê ligada, o computador no colo, hoje o telefone não tocou e eu também não toquei nele. O cinema que prometi a mim mesma se foi com as horas. Estou desarrumada e ainda não jantei. As luzes da casa continuam apagadas. Estou no escuro.

Gato mia.

12 de outubro de 2006

o rato

Tinha um rato no meu caminho hoje.

O bicho atravessou a pista diante de mim, bem na hora em que o sinal ia ficando amarelo. Tive que decidir: matava ou não matava o rato?

Era um ratinho preto. Não muito grande não. Mas estava dia claro. Pude vê-lo quase dentro dos olhos. Cauda longa. Patas curtas. Meio hesitante, correu.

Carros atrás de mim já estavam parando. O pardal, o sinal, o rádio alto, óculos escuros, compras, minha mãe gritando “mata o rato, mata o rato”. Foi assim que, numa fração de segundo, ficamos frente a frente. Nós três. O rato, a humanidade e eu.

Me lembrei da ratazana existencialista de Günter Grass (aquele mentiroso). Do Mickey Mouse, do Jerry, do Stuart Little e até do PiuPiu, que apesar de não ser rato, era como se fosse. Me lembrei da peste negra. De todos os ratos da minha vida (indigestos como os sapos que tive que engolir). Dos dois ratinhos de verdade que criei (em menos de duas semanas eram nove). A fêmea me mordeu. E saiu sangue!

Pensei nos bilhões de ratos de laboratório que morrem todos os dias por causas tão nobres quanto a reversão de doenças graves e não tão nobres como o creme anti-rugas da titia. Pensei no Pink e no Cérebro. No domínio do mundo. E, finalmente, em todos os gatos sofridos e injustiçados pelos séculos e séculos afora.

Freio. Fui multada no semáforo. Aquele maldito pardal fotografou a placa do meu carro. Mas quem sou eu para fazer justiça com as próprias mãos? Ratos estão por toda a parte. E sempre estarão.