30 de janeiro de 2008

uma grande festa

Bibi tá surtada. Um surto de alegria inesgotável, já faz quase um mês. Desde que chegou à minha casa, vinda de uma gaiolinha no veterinário, que dividia com a mãe e o irmão, ela não para de correr. Ela não para um segundo. Parece que descobriu um admirável mundo novo, uma enormidade de espaço nunca antes vista, naqueles poucos metros quadrados, e precisa aproveitar logo, porque, talvez, na cabecinha dela, possa acabar um dia. E nesse deslumbre da física e do aconchego, sobe no sofá, cai de cabeça, entra no armário, debaixo da cama, em cima da mesa, dentro da máquina de lavar, não consegue frear, se agarra no tapete, se estabaca em todo canto, come muito, muito, muito, contente! Tudo para ela e suas unhas afiadas é uma grande festa! E assim, vendo essa felicidade toda, ininterrupta, vou querendo ficar feliz também.

27 de janeiro de 2008

esbarrão

Oi! Tudo bem?
Oi.
Nunca pensei que fosse encontrar alguém do meu tamanho nessa festa!
E não encontrou.
Eu encontrei você!
Ah...
Prazer, eu sou o Flávio!
Prazer.
Qual o seu nome?
Marcya.
Então me dá um abraço, Marcya!
(Dou dois beijinhos rápidos com a mão na frente).
Não precisa ficar com medo de mim, eu sou um cara legal!
Eu não tenho medo de nada.
Mas você nem me deu um abraço!
Olha, eu não te conheço, nunca te vi, então acho super-natural não te dar um abraço...
Eu não sou daquele tipo não.
Que tipo?
(Pausa, música, bebida, retoma)
Pô, você é pior que a minha irmã.
A sua irmã...
É, ela é cheia de coisa, não chega perto, as amigas dela são igual.
O que me faz pensar então que o problema seja seu.
Hehehehe! Você é engraçada!
Obrigada.
(Pausa, música, bebida, retoma)
Você é daqui?
Daqui de onde... Do barco?
Não, daqui, da cidade...
Não, sou do Rio.
Ah, eu sou de Uberaba.
E está fazendo o que aqui?
Vim com meus pais.
Seus pais... E isso faz muito tempo?
Faz, muito tempo.
Quantos anos você tem?
Chuta.
Ahnnn... 25?
Não, mais!
26.
Não, quase.
27.
Acertou! Eu envelheci muito cedo. Pareço mais velho do que sou.
Bem, considerando que eu te dei 25, não, você não parece mais velho do que é.
Ahn... E você?
Eu tenho dez anos mais que você.
37??!!
No somatório, é o que parece.
Você não parece ter 37...
Mas tenho.
(Pausa, música, bebida, retoma)
E eu ainda moro com os meus pais.
Você vai passar dessa fase. Eu saí de casa com 25.
Ahn...
Com licença, vou cumprimentar um amigo ali.
Você já vai?
Vou.
Prazer, viu? Você é linda!
Obrigada.
A gente se esbarra por aí.
É, a gente se esbarra.

25 de janeiro de 2008

encenação 2008

Fotos da encenação anual da fundação da Vila de São Vicente, a primeira cidade do Brasil. Foi lá que estive nos últimos dias, filmando e fotografando o espetáculo. Clique na imagem para ampliar:














23 de janeiro de 2008

ossos do ofício

Tia, me filma!
Tia!
Me filma!
Que canal que é?
Hein?
Que canal?
Onde passa?
Como faz pra ver?
Tia, manda o DVD pra mim?
Que dia que passa?
Você é da Globo?
Eu vou aparecer na Globo!
Nem é da Globo!
Se não é da Globo eu não quero não...
Eu já apareci na matéria da Globo.
Já me filmaram ali!
Ah, não é de foto não?
Mostra eu, mostra eu!
Deixa eu me ver aí na câmera?
Onde liga?
Apareci bem de pertinho!
Uhuuuu!
Tia, olha só isso!
Olha só!
Eu cobro cachê...
Olha a gente aqui!
Me filma!
Tiaaaaaaa!

19 de janeiro de 2008

18 de janeiro de 2008

a necessidade da graça

Eu era uma menina - nada pequenina - que queria ser bailarina.

De tanto pedir, insistir, chorar, implorar, rastejar, querer com toda a força, minha mãe resolveu, mesmo com sacrifício, me matricular na academia de balé. Foram apenas seis meses.

Afinal, poderia ser importante para a minha vida futura essa tentativa de contornar a inata falta de graça. Não adiantou muito. Eu já era grande, onze anos completos, enquanto as outras meninas dessa idade iam lá pelos níveis avançados de sapatilha de ponta. Eu decorava os compassos, as posições e seus nomes, mas ficava sempre dura demais, naquela rigidez própria de quem nunca se atreveu. Se bem que os óculos de lentes grossas também não ajudavam.

Num dia de chuva forte que me pegou desprevenida, eu, que ia para a aula de ônibus, fiquei ilhada ali, de sacolinha, meia-calça branca e collant rosa, sentada na porta da academia. Foi quando apareceu na minha frente, de guarda-chuva na mão, o marido da dona. Uma vez havia ouvido alguém dizer que ele era um artista de verdade, consagrado e reverenciado, apesar de eu nunca antes tê-lo visto.

Sorridente, muito branco, uns olhinhos amendoados, achou graça de mim – a graça!

“Tem medo de água, gato escaldado?”

Agora eu é que achava graça dele.

“Vamos que eu levo você de carro. Não vai se molhar não!”

Fui com a família: junto a mulher, ex-bailarina, e o filho pianista. Coubemos muito bem, todos dentro do fusca que ele mesmo dirigia. Colocaram-me no banco da frente e a conversa-quase-monólogo continuou.

“Você dança há muito tempo? E os óculos não atrapalham? Pode ser que óculos atrapalhem uma bailarina, não acha?” E ria.

Prestando uma atenção danada, eu balançava a cabeça, concordava, ria com ele, e me esforçava como nunca para ser graciosa.

“O senhor é artista?”

“Todo mundo é... Você também! A minha arte é a música. Gosta?”

Assenti e ele começou a cantarolar baixinho e gesticular com vigor, olhando pra mim de vez em quando. Não entendi muito bem, mas foi como um encanto: me desprendi do mundo nos movimentos e na melodia. Num instante chegamos a minha casa.

“Pronto, está entregue. Foi um prazer conhecê-la, senhorita bailarina.”

Era a primeira vez que alguém me chamava de bailarina. Sorri e fui andando em direção ao prédio, pés leves e mãozinhas curvadas.

Eu não sabia direito o valor daquele homem. Mas tinha percebido a existência da graça! Nas palavras, nas brincadeiras e nos gestos, que ele me mostrou brevemente, em suas várias manifestações, no caminho de casa, dentro daquele fusquinha. Nunca mais esqueci.

Ele era o maestro Cláudio Santoro.

(Essa cena ocorreu de verdade, no comecinho da década de oitenta. N. da A.)

12 de janeiro de 2008

nas alturas

Lá de cima,
Das alturas geladas onde vivo,
Olhei para baixo.

As girafas que passaram,
Se perguntando do tempo,
As encarei nos olhos.
Seus cílios enormes
Varreram minhas lágrimas
Pour toujour.

Os postes nos quais esbarrei
Perderam as lâmpadas
Nas minhas idéias.
Suas luzes aqui
Brincam em clarões graves
E relâmpagos vagos.

Os passarinhos acreditaram
Meus cabelos folhas vermelhas
E meus dedos ramos alvos.
Fizeram ninhos nos meus ouvidos
E até agora escuto
Sua melodia pelo ar.

Olhei para baixo,
Das alturas geladas onde vivo,
Lá de cima.

E percebi que ainda posso alcançar o chão.

10 de janeiro de 2008

só eu

Eu já quis ser

Mafalda
Nefertiti
Jessica Rabbit
Marilyn Monroe
Amélie Poulin
Maria Callas
Nadia Comaneci
Ana Pavlova
Ava Gardner
Helena de Tróia
Edith Piaf
Princesa Anastacia
Elke Maravilha
Gisele Bündchen
Kate Austen
Madre Teresa de Calcutá
Dona Beja
Cinderela
Angelina Jolie
Omara Portuondo
Joana D’Arc
Cleópatra
Nísia Floresta
Simone de Beauvoir
Camille Claudel
Brigitte Bardot
Rita Lee
Clarice Lispector
Audrey Hepburn

Mas eu
Sou só eu.