3 de novembro de 2007

joaninhas impossíveis


Quando eu era menina, de assim uns sete anos, tinha uma coleção de joaninhas. Esse bichinho pintado, que vivia aos mil nas plantinhas dos anos 70, e por isso podia até ser colecionado, de repente sumiu de junto do olhar da gente. Não sei se foi porque eu cresci e passei a reparar menos nessas pequenezas bonitas que as crianças enxergam. Mas acho que não.

Aliás, penso até que percebi o primeiro sinal do estapafúrdio que virou o clima do planeta quando voltei à árvore da minha infância e procurei, procurei, procurei... Achei uma, uminha só. A última joaninha.

Antes não. Nas árvores por aí, em especial nas amoreiras, encontrava delas aos montes, dezenas, com manchinhas variadas na carapaça das costas. Brancas com pintinhas pretas. Pretas com pintinhas vermelhas. Vermelhas com pintinhas pretas. Que alegria boa que me dava de achar as cores todas num mesmo dia!

Pegava a caixinha de fósforos vazia, daquelas com um olho desenhado no rótulo. Forrava com folhinha de amora e ia caçar. Olhava para cima até ficar de pescoço doído. Catava com carinho e elas retribuíam passeando nas mãos, passadas de uma pra outra, fazendo cosquinha, perninhas rápidas, obedientes, sem voar. Mesmo assim, eu as colocava dentro da caixa e levava pra casa. Acho que ninguém nunca soube. Pode parecer maldade, mas não era não.

É que me vinha uma felicidade que se derramava em sorrisos, isso só por vê-las passear pela superfície lisa do vidro de maionese onde eu guardava amorosamente a minha efêmera coletânea. Durava apenas um dia. Um dia, que era o tempo que eu achava justo aprisionar uma joaninha. De manhã, me levantava cedo e as libertava todinhas pela janela. Ficava olhando cada uma despertar, esticar as asinhas e partir num zumbidinho surdo. Em segundos, desapareciam no azul do céu, no vermelhão dos redemoinhos daquela época, no verde aventureiro que escalava até o quarto andar do prédio.

Desde então, creio que desenvolvi um contato extra-sensorial com as joaninhas, como se fosse teleguiada. Elas é que me aprisionavam agora. Nos cantos mais bizarros do mundo me deparo com uma. Uminha só.

Há dez anos, em Tanger, no Marrocos, entrei num navio para fazer a travessia até Algeciras, na Espanha, vinda de uma primeira viagem ao deserto. Estava muito bem no convés, olhando a água que se alastrava perfeitamente ao redor da embarcação, como tem que ser, sem vista de terra firme. Vai daí que sinto a familiar cosquinha no braço. Olho, era uma joaninha, uma joaninha mesmo, que achou de pousar em mim ali, no meio do oceano. Brinquei muito com ela, como de costume. Não voou. Tirei fotos, mas o close da joaninha não ficou muito bom. Houve quem não acreditasse.

Em Roma também, já se faz nem sei quanto tempo. No meio das ruínas antigas, eu com um mochilão nas costas - acho que me confundiu com uma delas, super-ultra-mega desenvolvida.

Mais uma apareceu na capital de Botsuana, Gaborone, num passeio ao parque local. De janelas abertas, nem desci do carro, lá vem a bolotinha voadora. Aterrissa no meu ombro, como o papagaio do pirata. Faz nada não. Deixa ela aí. Meu cabelo tá preso. Eu não capturo mais joaninhas.

A última foi a que notei no casaco branco de minha mãe, no meio da multidão de uma loja de departamentos em Madrid. Mas houve outras, muitas outras, que já nem me lembro mais.

Talvez elas façam parte de uma sociedade secreta, da confraria das joaninhas que pretendem salvar a Terra - tomara que consigam. Eu, que não tenho fé em nada, com elas, ao contrário, sempre tive certeza de que carregavam algo de especial. E continuo a acreditar. Talvez o meu papel nesse plano seja o de escrever essas coisas. E talvez se possa dizer – e claro, digam sim! - que eu sou alegremente manipulada por joaninhas impossíveis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Simplesmente espetacular!
Joana