
Digitava com os olhos cravados na tela, mas sentia que um movimento estranho lá fora, tão alto, embaçava sutilmente a visão periférica. Não cheguei a atentar, a princípio. Mas depois de alguns dias, com a insistência da repetição, encafifada, finalmente levantei a cabeça para averiguar.
Incrível a fixação paranóica, ainda que despercebida, na tela do computador. Dias assim, sem prestar atenção a minha volta, não notei que pousava ali na minha frente, além dos pombos de praxe, um imenso urubu. A gente deve sempre esperar se surpreender na vida.
Confesso que a aparição foi extremamente desafiadora para meu léxico inventivo.
Urubua
Urubula
Urubola
Uruboa
Sei lá. É que o urubu parecia fêmea. Um animal jovem e bonito, de penas brilhantes e olhar meiguinho. Quem é que diz que isso come lixo?
O fato é que, de início, entrei numa neura de simbolismos alucinatórios. Lembrei de Joãozinho Trinta. De Maupassant e Alan Poe também. Quando olhava para o bicho, juro que quase esperava que ele me dissesse a qualquer momento: “nunca mais”...
Hoje não. Depois que me acostumei com a visita diária e passei a acompanhar seu desenvolvimento com o zelo de uma ama, chego a sentir falta quando ele não vem. Me apeguei, apesar dos gatos não gostarem muito. E agora mesmo, enquanto escrevo isso, o urubu está ali, descansado e satisfeito, tomando seu solzinho pousado na minha sorte.
3 comentários:
Urubu, agosto, ano bissexto... quanto mais budista eu fico, mais engraçadas as supertições! Urubu deveria ser, junto com os porcos, os camarões e afins, os bichos mais inteligentes - são eco-conscientes antes disso ser moda: reciclam o lixo sem a gente nem pedir por favor!
Olha que céu lindo atrás do meu urubu de estimação!
Eu aqui, me lembrei também de Tom Jobim e de Augusto dos Anjos:-).
Que um urubu nunca pouse em sua sorte:-).
Beijo
Postar um comentário