16 de junho de 2007

biscoito chinês

Não tem nem três meses, eu me considerava uma pessoa de sorte, do fundo do meu coração. Mas, de repente, não sei porque, tudo desandou: perdi o namorado, briguei no trabalho, a insônia voltou, meus aparelhos eletrônicos pifaram todos de uma só vez sem que nem um raio tivesse caído nas redondezas.

E, assim, tive certeza. A maré começou.

Sábado, 10h40. Eu precisava ter saído, feito mil coisas na rua. Mas tinha acabado de acordar, com aquela cara de bife que fritou a noite inteira na cama sem conseguir dormir. Chamei o gato trinta vezes pra repassar um carinho e ele não veio. Ué... O gato obedecia ordens até três meses atrás...

Eu não percebi na hora, mas era um sinal.

Tomei banho quente, pelando. Com calor, botei um vestido fininho. Fui arrumar a cama, organizar uns papéis, depois checar uns e-mails. O estômago roncou. 11h50 sem comer nada.

Pensei em ir ao self-service da esquina, apesar de ainda insistirem em repetir essa chatice de que a cidade não tem esquinas. Foi quando a preguiça bateu de novo, forte. Vamos parar com esse negócio de ficar andando, respirando ar puro, pegando sol. Vou é chamar o China In Box.


Quarenta minutos depois, toca o interfone. Corro pra pegar o dinheiro e vejo o gato na sala de tevê, se digladiando com o ratinho de brinquedo. Abro a porta e o entregador mascarado, com capacete de motociclista na cabeça, me estica a sacolinha e o troco. Obrigada.

Foi o tempo de olhar pra baixo e ver que o gato escapulia feito um raio (ah! O raio!) por baixo das minhas pernas, miando em direção às escadas do andar de baixo. Fração de segundos: dou três passos rápidos e longos, alcanço o gato e escuto o “cablam”! De costas, penso ainda: “cablam”???

Me viro e vejo a porta fechada, irremediavelmente fechada. Por que fui abrir a janela? Eu não gostava mesmo de ar puro!...


O motoqueiro mascarado entra correndo no elevador fazendo cara de “não tenho nada a ver com isso”, claro, sem deixar de rir disfarçadamente.

A minha ansiedade deu um duplo tuíste mortal carpado pra trás.

Estava ali, no meio do corredor escuro, de vestidinho, chinelos, descabelada, com o almoço, o troco e o gato na mão, trancada do lado de fora de casa. Pensei no “Homem Nu”. Aliás, pensei na minha vida inteira como num cineminha. Queria morrer.

Fiquei estática, estatelada e apalermada por alguns segundos. Segundos não, minutos. Minutos? Pareceram horas. Olhei para a porta. Pateticamente, forcei a maçaneta travada. O gato começou a berrar. Está tudo sob controle. Vamos descer e pedir ajuda para o porteiro.

E o porteiro se espantou um bocado, ao me ver chegar daquele jeito, feito uma louca de rua, logo ele que só me vê quando saio e quando volto, toda arrumadinha e bem penteada. Expliquei a situação e ele se compadeceu, claro, sem deixar de rir disfarçadamente. “Vou ligar para o chaveiro da quadra”.

Na minha quadra tem um chaveiro 24 horas. Fica a menos de dois minutos da minha casa. E quem disse que o telefone atendia? Tenta, tenta, tenta, quinze minutos ocupado. “Vou tentar esse outro que tem aqui”. Então tenta, pelamordedeus!

Atendeu. Era do outro lado da cidade. Valor do serviço: 35 reais. Me passa esse telefone. Comecei a discutir o preço quando o gato, já de saco cheio de ficar no colo, se desesperou. Achou que ia cair e começou a escalar as minhas costas, cravando as unhas com vontade. Me ajuda, me ajuda! “Hein?” Não, não, aaaaaaaaaaiiiiiii!!! Não é com o senhor, não!

O porteiro segurou o gato descontrolado e em vez de tirá-lo de cima de mim, apenas sustentou o bicho, que, assim, ficou correndo as garras na minha pele.

Moço, vem agoooooora!

Gato não é que nem cachorro, que você solta na rua, fica olhando e dá um assobio que ele volta. Gato, ainda mais acostumado a apartamento, se esgueira numa velocidade, sobe numa árvore, se esconde num buraco e aí, meu amigo... Um abraço. Nunca mais.

Segurei o gato com segurança, comme il faut. Agradeci ao porteiro e amarguei a dor das unhadas na carne. Percebi que tinha sangue grudando no vestido. Parecia que tinha sido torturada – parecia? Comecei a chorar baixinho. Andei de um lado para o outro pra ver se o gato se acalmava – e eu. Os vizinhos passavam olhando.

Finalmente, resolvi largar a sacolinha do almoço num degrau de mármore da escada da portaria. Sentei em outro, pus o gato no colo. Senti o mármore frio congelando a minha bunda com toda a crueldade. Apesar de ser atéia, rezei fervorosamente para não aparecer nenhum cachorro, dos cem que existem no prédio. Cadê esse chaveiro?

Meia hora depois, já com a bunda anestesiada, chega o cidadão. Conto a história toda de novo e ele também se compadece, claro, sem deixar de rir disfarçadamente. Subimos. Mais meia hora pra arrombar a maldita porta. O gato miando e o almoço esfriando. “Não foi fácil não, dona, esse serviço é muito chato”. Tudo bem, você salvou a minha vida. Acho que estou valendo pelo menos uns trinta e cinco reais – talvez menos. Muito obrigada.

Fechei a porta, o gato saiu correndo para debaixo da mesa. Comi meu almocinho gelado que, no final das contas, contando o serviço do chaveiro, tinha saído por 60 reais. Sem fome, deixei a caixinha mini pela metade. Em compensação, lembrei que tinha uma caixa de Bis no armário. E essa eu comi todinha.

Fui jogar fora os restos, cheia da maré de azar, achei o biscoito chinês da sorte. A mensagem dentro dele – eu precisava ler a mensagem, precisava! - dizia assim: “O progresso calmo e constante, livre de precipitação, conduz ao objetivo.”

...

Vai à puta que pariiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiu!!!!

5 comentários:

Princess Deluxxe disse...

Queridona! Estou de volta! Pena q um poco tarde pra te salvar...
Mas prometo q vou inventar programinhas bacanas pra gente se divertir, viu?
":)
bjosssssssssss

Anônimo disse...

Amei a estória!!!! pena que foi de verdade e com vc!!!!

popfabi disse...

esses chineses filhas da puta! sorte deles que invetaram o sorvete e o macarrão! e sorte minha de ler - e rir sem disfarçar - das suas mazelas, marcynha! - é que eu sei, no fundo, que em breve, vamos rir em uníssono - não só dessa desgraça, mas de tantas outras que nos acomete ultimamente! beijos

Ana Laura disse...

desculpa, mas tive que rir...kkkkk...
esse texto é sinal que vc ainda tem o dom de um super senso de humor!

Silka disse...

Ai, Marcya... vc é deste mundo? kkkkkkk obrigada por alegrar o fim de noite!