Comecei a ouvir um miado estridente de filhote. Num instante, mais de mil havia ao meu redor, a gritar de desespero, numa esganação de fome. Eram muitos e eu uma só. Estranhamente, não se exasperavam nem brigavam uns com os outros. Não arranhavam nem corriam. Apenas andavam em círculos e miavam em súplica.
Virei-me na cama com a lambida de lixa de meu gato de verdade, que tinha vindo se aninhar mais perto, enquanto eu não recuperava a consciência do despertar. Os berros vinham de fora.
Fiquei um tempo acordada olhando para o teto escuro, imaginando como eu me sentiria se aquela criatura morresse ali sozinha, sem que ninguém tivesse feito nada por ela. Maldita consciência, a uma hora dessas! Olhei o relógio: quatro da manhã. O meu sentimentalismo fracote achou que era cedo demais para um surto.
Mas o bicho continuou lá, naquela sinfonia dos aflitos, apelando para a minha compaixão e para o desafino da dor nos meus ouvidos. A coragem me empurrou num pulo. Enfiei uma roupa, coloquei leite num potinho e desci, de caixa de sapatos à mão. É, eu estava disposta a tudo.
O porteiro me disse que o bichano ficava correndo de carro em carro no estacionamento. O último que chegasse, mais quentinho, era o escolhido, até que o frio viesse de novo. Perguntei por uma lanterna. E lá fui eu, me postar de quatro no chão para olhar debaixo de todos os estacionados até encontrar o gatinho.
O descobri preso no motor de um jipe, arisco, em pânico de se perceber notado. Desliguei a luz e fiquei esperando, quieta. Quando desceu, cinzento, magrinho, estiquei o braço para pegá-lo. Mas ele foi mais rápido – sempre são! Fugiu para outro carro e eu voltei a minha abnegada tarefa, com toda a paciência que nunca tive.
Foi assim até umas cinco e meia mais ou menos, quando o dia já ia clareando. Exausta, desisti da luta e me rendi ao instinto felino, mais ágil e mais esperto que eu. Sei também que o sofrimento é um aprendizado. O bichinho deve ter levado uns tantos chutes na vida breve que teve até ali. Generalizou os seres humanos e para ele, todos eram apenas cruéis.
Subi no elevador pensando em nossa derrota, afinal, perdemos ambos. O gato se foi. Mais um dos tantos gatos que se foram da minha vida. Só espero que, pelo menos este, pare logo de me acordar à noite, a me atormentar com sua lembrança esgoelada.
2 comentários:
Outro dia eu também acordei com um barulho forte de madrugada...parecia um miado. Mas qdo abri a janela descobri que eram gemidos de uma 'gata' no cio, em plena atividade com seu namorado dentro do carro...
:P
Baixaria!
Bjos,
S.
Ui!
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