Agora são 20h09 do dia 20/09/2009.
Achei que podia ser importante fazer esse registro agora, uma vez que acabei de olhar no relógio e a hora me fez recordar a coincidência.
E eu acredito em coincidências.
20 de setembro de 2009
11 de setembro de 2009
escatológicas
Plena sexta-feira, sabe como é... Vamos lá.
Encontrar uma pessoa conhecida num banheiro público é sempre constrangedor. Principalmente se é alguém que você não vê há muito tempo ou que não viu quase nunca. E, mais ainda, se o nome dessa criatura não passa de uma diminuta penumbra num recôndito recanto de sua mente.
Descargas quase que simultâneas. Saídas no mesmo segundo. Encaradas encurraladas. Cabeça balança, olhos arregalam. Lava as mãos, vira pro lado, disfarça e...
- Olá!
- Ooooi!... Ahn... Querida!
- Tudo bem?
- Tudo!...
- Há quanto tempo, hein?
- Pois é...
- Quando foi a última vez que nos vimos?
- A última vez?
- Acho que foi naquele barzinho lá na Asa Norte, não foi?
- É... Ahn... Foi! Foi isso mesmo...
- Mas não era dentro do banheiro! Hahahaha!
- Hahahaha... Não era...
- Mas tenho certeza que foi lá.
- Foi, foi.
Sorrisão observando, imóvel; meus dedos pingando com leve aspecto de maracujá passado.
- Você me dá licença? Preciso enxugar as mãos.
- Claro! Uma toalha ou duas?
- Três. Qualidade ruim, não enxuga nada, sabe como é.
- Hahahahaha! Você continua engraçada!
- Hahaha... Obrigada. Você também.
- Que bom!
- Eu vou indo então.
- Bom te ver!
- Ótimo...
- Tchau!
- Tchau.

Eu lá dentro, desfazendo-me de um inocente xixi. A mulher ao lado, concluindo seu plano maligno de detonar uma hecatombe nuclear. Descarga demorada. Muito demorada. Sai. Uma colega dela lavava as mãos, mas foi pega antes que pudesse reagir.
- Ai, menina, eu não consigo fazer fora de casa... É fogo!
(E combustível altamente inflamável)
- É eu também não sou nenhum reloginho.
(Apesar do tique-taque ser audível)
- Aí, quando sinto que a coisa vem, não dá pra segurar.
(Mas interdite o local, minha senhora!)
- Ah, é melhor não segurar mesmo não. Vai que depois não dá mais conta...
(O que você quer dizer com “não dá mais conta”?)
- É menina, resolvi meu problema agora!
(E criou um outro enorme para a camada de ozônio)
- Fez muito bem.
(Não, de novo não!)
- Hihihihihi!
(Esse xixi não acaba?)
- Ai, menina, eu não consigo fazer fora de casa... É fogo!
(E combustível altamente inflamável)
- É eu também não sou nenhum reloginho.
(Apesar do tique-taque ser audível)
- Aí, quando sinto que a coisa vem, não dá pra segurar.
(Mas interdite o local, minha senhora!)
- Ah, é melhor não segurar mesmo não. Vai que depois não dá mais conta...
(O que você quer dizer com “não dá mais conta”?)
- É menina, resolvi meu problema agora!
(E criou um outro enorme para a camada de ozônio)
- Fez muito bem.
(Não, de novo não!)
- Hihihihihi!
(Esse xixi não acaba?)
29 de agosto de 2009
aula de flamenco
Esquerda! Salto, golpe, salto, salto, planta, virou! Direito! Planta, planta, golpe, salto, salto, virou...
Professora...
Sim?
Isso não faz o menor sentido. A vida inteira me disseram que o que um lado faz, o outro tem que fazer igual.
No flamenco as coisas são um pouquinho diferentes.
O que faz sentido pra mim é a lei da gravidade.
Como?
Meus dois pés esquerdos estão brigando com a planta e o salto do pé direito.
Sei...
E isso foi porque eu nem lembrei pra que lado os dois braços direitos vão ainda: se por dentro, por fora, de cima, de baixo ou de lado.
Calma, preste atenção que você consegue...
E ninguém comentou se eu devo girar as mãos e os dedinhos pra dentro ou pra fora neste dado ângulo.
Não se preocupe com isso agora...
Olha, eu não entendo como posso dar um pulinho com o salto do pé esquerdo levantado, sendo que o peso do corpo estaria para o lado direito e eu preciso voltar com a planta do pé direito imediatamente para fazer a troca para o golpe do pé esquerdo de novo cruzando por trás da perna direita e ainda finalizar com três saltos do referido pé direito.
Não racionalize tanto...
Eu não consigo.
Ai...
É que quando eu olho para o espelho tenho a leve impressão de que estou fazendo tudo ao contrário, entende?
Então não pense, apenas sinta o sapateado.
Professora...
Ahn?
Se eu pensar eu caio.
Professora...
Sim?
Isso não faz o menor sentido. A vida inteira me disseram que o que um lado faz, o outro tem que fazer igual.
No flamenco as coisas são um pouquinho diferentes.
O que faz sentido pra mim é a lei da gravidade.
Como?
Meus dois pés esquerdos estão brigando com a planta e o salto do pé direito.
Sei...
E isso foi porque eu nem lembrei pra que lado os dois braços direitos vão ainda: se por dentro, por fora, de cima, de baixo ou de lado.
Calma, preste atenção que você consegue...
E ninguém comentou se eu devo girar as mãos e os dedinhos pra dentro ou pra fora neste dado ângulo.
Não se preocupe com isso agora...
Olha, eu não entendo como posso dar um pulinho com o salto do pé esquerdo levantado, sendo que o peso do corpo estaria para o lado direito e eu preciso voltar com a planta do pé direito imediatamente para fazer a troca para o golpe do pé esquerdo de novo cruzando por trás da perna direita e ainda finalizar com três saltos do referido pé direito.
Não racionalize tanto...
Eu não consigo.
Ai...
É que quando eu olho para o espelho tenho a leve impressão de que estou fazendo tudo ao contrário, entende?
Então não pense, apenas sinta o sapateado.
Professora...
Ahn?
Se eu pensar eu caio.
6 de agosto de 2009
terra vermelha
Eu e Lili íamos todos os dias à venda do turco. Minha mãe o chamava de turco, palavra imediatamente replicada por mim, mas hoje tenho convicção de que tratava-se de um cidadão libanês. Portava um bigode vistoso – assim como sua rechonchuda filha – e apontava para nós suas olheiras enormes e o nariz adunco de seus antepassados. Íamos de bicicleta, umas bicicletinhas de criança pequena, velhinhas, meio desconjuntadas. Na terra vermelha das ruas sem calçadas, canteiros ou asfalto, sumíamos em nuvens de redemoinhos, que havia muitos naquela época. Manifestávamos nossa presença depois que a poeira baixava e assim éramos vistas, de tempos em tempos, como crias de sacis. Enfiávamos as mãozinhas imundas nos bolsos e puxávamos moedas: um cruzeiro com sorte, cinquenta centavos frequentemente. Então atravessávamos a loja escura, cheia de barris de madeira abarrotados de farinhas e grãos, desviávamos das caixas com legumes e verduras, e nos esgueirávamos em direção ao balcão à procura de doces.
O baleiro giratório do armazém do turco ainda rebenta em meus melhores sonhos. Dentro dele, balinha Malukinha de uva e menta, chiclete Ploc e Ping Pong, paçoquinha de rolha, doce de abóbora em forma de coração e de banana cremoso-duro, que vinha dentro de um potinho de casquinha de sorvete, com pazinha para comer. Também tinha maria-mole cor-de-rosa e amarela, que a Lili comia sempre, vindo exibir a língua em Technicolor. Pagávamos e ganhávamos as compras dentro de saquinhos como os de pão, só que bem pequenininhos.
Do outro lado da rua havia uma loja de animais. Nossa rotina diária consistia nisso: primeiro compromisso, doces na venda do turco e segundo, visita aos bichinhos. Gostávamos de afagar os coelhos e alimentar os porquinhos-da-índia com capinzinho colhido ali na frente - Brasília na década de setenta era pura terra e mato. Lá se vendia até pombos, até galinhas e pintinhos, até cágados em aquários! Aquilo era o paraíso para menininhas de sete anos. Mas tínhamos outros afazeres importantes a cumprir para a tarde.
Pular amarelinha riscada com giz de gesso que achávamos jogados nas obras – também havia obras pra todo lado –, e competíamos usando casca de banana em vez de pedrinhas. Brincadeira de imitar “As Panteras” da tevê e todo mundo queria ser a Kelly, que era uma só. Acompanhar as formigas e catar algumas para fazer experiências com álcool de limpeza ou simplesmente descobrir se elas sabiam nadar. Subir na árvore de seiva que dava nódoa na roupa, o mais alto que pudéssemos – a Lili subia mais que eu. Fazer bolo de areia e flores no parquinho que o porteiro do prédio construiu sozinho, com o carinho de um confeiteiro.
Andávamos aquilo tudo sozinhas. Nossos pais nunca souberam por onde brincávamos. Sei só que no começo da noite ouvia um assobio característico ou um grito da janela do quarto andar: “Maaaarcya! Sooobe!” Despedía-me da Lili, deixando tacitamente acordada a agenda para o dia seguinte. E ao entrar em casa tal e qual uma escultura de barro, era obrigada a pular direto na banheira cheia d'água, que sempre ficava vermelha, vermelhinha, como a terra da minha infância.
O baleiro giratório do armazém do turco ainda rebenta em meus melhores sonhos. Dentro dele, balinha Malukinha de uva e menta, chiclete Ploc e Ping Pong, paçoquinha de rolha, doce de abóbora em forma de coração e de banana cremoso-duro, que vinha dentro de um potinho de casquinha de sorvete, com pazinha para comer. Também tinha maria-mole cor-de-rosa e amarela, que a Lili comia sempre, vindo exibir a língua em Technicolor. Pagávamos e ganhávamos as compras dentro de saquinhos como os de pão, só que bem pequenininhos.
Do outro lado da rua havia uma loja de animais. Nossa rotina diária consistia nisso: primeiro compromisso, doces na venda do turco e segundo, visita aos bichinhos. Gostávamos de afagar os coelhos e alimentar os porquinhos-da-índia com capinzinho colhido ali na frente - Brasília na década de setenta era pura terra e mato. Lá se vendia até pombos, até galinhas e pintinhos, até cágados em aquários! Aquilo era o paraíso para menininhas de sete anos. Mas tínhamos outros afazeres importantes a cumprir para a tarde.
Pular amarelinha riscada com giz de gesso que achávamos jogados nas obras – também havia obras pra todo lado –, e competíamos usando casca de banana em vez de pedrinhas. Brincadeira de imitar “As Panteras” da tevê e todo mundo queria ser a Kelly, que era uma só. Acompanhar as formigas e catar algumas para fazer experiências com álcool de limpeza ou simplesmente descobrir se elas sabiam nadar. Subir na árvore de seiva que dava nódoa na roupa, o mais alto que pudéssemos – a Lili subia mais que eu. Fazer bolo de areia e flores no parquinho que o porteiro do prédio construiu sozinho, com o carinho de um confeiteiro.
Andávamos aquilo tudo sozinhas. Nossos pais nunca souberam por onde brincávamos. Sei só que no começo da noite ouvia um assobio característico ou um grito da janela do quarto andar: “Maaaarcya! Sooobe!” Despedía-me da Lili, deixando tacitamente acordada a agenda para o dia seguinte. E ao entrar em casa tal e qual uma escultura de barro, era obrigada a pular direto na banheira cheia d'água, que sempre ficava vermelha, vermelhinha, como a terra da minha infância.
13 de julho de 2009
om
Eu estava simplesmente feliz e tranquila. A noite de domingo tinha me deixado com um gostinho de alegria de viver na boca, que me fazia ver passarinhos cantando e flores se abrindo pra todo lado. Uma coisa! Saí cedo para uma consulta médica que se demorou por uma longa hora na diminuta sala de espera – na companhia de quatro criancinhas correndo e berrando simultaneamente, diga-se – mas nem me importei muito. Tudo lindo e maravilhoso, ainda deu tempo de chegar em casa e trocar de roupa pra ir à aula de yoga sem pressa.
No trânsito, nenhum semáforo fechado. Ninguém me cortou pela direita. Não precisei xingar nem buzinar nem acelerar. Apenas o sol, a avenida livre, o ventinho no rosto, uma música que eu gosto começou a tocar no rádio... “O barquinho vai... A tardinha cai...”
Lá na sala da academia, tudo arrumadinho e cheiroso. Mandei um “namastê” com todo o gosto antes de iniciar a minha prática. Nunca me senti tão flexível e troquei a alcunha de Mulher Invisível pela de Mulher Elástico – ou Elástica? Coloquei delicadamente as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos e minha felicidade incontida aflorou num sorrisinho de plena satisfação comigo mesma e com o mundo ao meu redor. Ásanas terminados, vamos deitar, fechar os olhinhos e meditar.
O mantra entrava pelos ouvidos apenas para reforçar a paz que eu já desfrutava. Que calma, que relaxamento, que plenitude, que ronco... É. Ronco.
Alguém dormiu durante a meditação. Por mim tudo bem, durma e sonhe, desde que não ronque tão alto... Um ronco dos mais horrorosos, similar a um porcão chafurdando na lama, rotundo, infalível, ritmado. No breve espaço de tempo em que brotou, eu já não conseguia pensar em mais nada. Aliás, duvido muito que qualquer criatura dotada de audição num raio de um quilômetro tenha escapado ilesa ao ronco-motosserra da aparentemente inofensiva tiazinha, escarrapachada de braços abertos no piso da sala.
Olhei discretamente para o lado e pensei que ela fosse morrer – eu podia até dar uma ajudazinha – arfando a barriga pra cima e pra baixo num terremoto interno que batia 12 na escala Richter (segundo a Wikipédia, magnitude capaz de “dividir a Terra ao meio”). Meditei profundamente sobre a hipótese de sufocá-la com o tapetinho. Mas logo vi que não seria suficiente. Alguém acorde essa criatura, por misericórdia!
A professora percebeu que a turma estava em sofrimento. E resolveu terminar logo com aquilo, antes que chamassem o pessoal dos Direitos Humanos. “Vamos levantar agora”... Acho que teve que cutucar a tia, que enfim acordou, inocente, limpando a babinha.
Voltei pra casa vociferando: ommmmmmmmmm...
No trânsito, nenhum semáforo fechado. Ninguém me cortou pela direita. Não precisei xingar nem buzinar nem acelerar. Apenas o sol, a avenida livre, o ventinho no rosto, uma música que eu gosto começou a tocar no rádio... “O barquinho vai... A tardinha cai...”
Lá na sala da academia, tudo arrumadinho e cheiroso. Mandei um “namastê” com todo o gosto antes de iniciar a minha prática. Nunca me senti tão flexível e troquei a alcunha de Mulher Invisível pela de Mulher Elástico – ou Elástica? Coloquei delicadamente as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos e minha felicidade incontida aflorou num sorrisinho de plena satisfação comigo mesma e com o mundo ao meu redor. Ásanas terminados, vamos deitar, fechar os olhinhos e meditar.
O mantra entrava pelos ouvidos apenas para reforçar a paz que eu já desfrutava. Que calma, que relaxamento, que plenitude, que ronco... É. Ronco.
Alguém dormiu durante a meditação. Por mim tudo bem, durma e sonhe, desde que não ronque tão alto... Um ronco dos mais horrorosos, similar a um porcão chafurdando na lama, rotundo, infalível, ritmado. No breve espaço de tempo em que brotou, eu já não conseguia pensar em mais nada. Aliás, duvido muito que qualquer criatura dotada de audição num raio de um quilômetro tenha escapado ilesa ao ronco-motosserra da aparentemente inofensiva tiazinha, escarrapachada de braços abertos no piso da sala.
Olhei discretamente para o lado e pensei que ela fosse morrer – eu podia até dar uma ajudazinha – arfando a barriga pra cima e pra baixo num terremoto interno que batia 12 na escala Richter (segundo a Wikipédia, magnitude capaz de “dividir a Terra ao meio”). Meditei profundamente sobre a hipótese de sufocá-la com o tapetinho. Mas logo vi que não seria suficiente. Alguém acorde essa criatura, por misericórdia!
A professora percebeu que a turma estava em sofrimento. E resolveu terminar logo com aquilo, antes que chamassem o pessoal dos Direitos Humanos. “Vamos levantar agora”... Acho que teve que cutucar a tia, que enfim acordou, inocente, limpando a babinha.
Voltei pra casa vociferando: ommmmmmmmmm...
6 de maio de 2009
sueño
Acuerdate, mi amor,
De un día que todavia no vivimos?
Despierta
Caminamos por el Malecón, las manos entrelazadas
El viento jugando con las gotas de las olas suspendidas
A caer en nuestras caras y evaporar, felices, – por así decir –
Con el calor de los cuerpos sudorados del bueno sol.
Acuerdate?
Subimos por La Rambla; alguién cantaba,
Yo le dijo: ahora es todo nuestro, el tiempo.
Pero, en mi sueño, aunque tan bonito fuera,
No había tanto cuanto en tu mirada justo a mi.
Acuerdarte...
Y despierta conmigo
Se me han caído unas lágrimas de nostalgia por el porvenir.
Nosotros siempre
Lejos de las horas muertas
Encantados como un poema recién nacido en la mañana clara.
De un día que todavia no vivimos?
Despierta
Caminamos por el Malecón, las manos entrelazadas
El viento jugando con las gotas de las olas suspendidas
A caer en nuestras caras y evaporar, felices, – por así decir –
Con el calor de los cuerpos sudorados del bueno sol.
Acuerdate?
Subimos por La Rambla; alguién cantaba,
Yo le dijo: ahora es todo nuestro, el tiempo.
Pero, en mi sueño, aunque tan bonito fuera,
No había tanto cuanto en tu mirada justo a mi.
Acuerdarte...
Y despierta conmigo
Se me han caído unas lágrimas de nostalgia por el porvenir.
Nosotros siempre
Lejos de las horas muertas
Encantados como un poema recién nacido en la mañana clara.
22 de março de 2009
el camino al caminar
Eu gostava de caminhar pelo Malecón. Gostava de ver aquela avenida beira-mar lindíssima meio abandonada, com seus prédios desbotados, querendo cair, mas sem muita motivação. Ali sentia-me verdadeiramente no passado, lá pelos fins dos anos 50, que foi quando o tempo parou em Cuba. Das janelas sem varandas, quase nenhum dos habitantes olhava, já sabidos e enjoados que estavam da paisagem que, apesar de divina, não enchia a barriga de ninguém.
A praia de La Habana não tinha areia. Somente pedras, o muro de contenção e a água azul-nervoso, se debatendo num desejo louco de arrastar aquelas construções decadentes para o fundo. A brisa não havia. Era um vento forte, um vento que descabelava tudo, principalmente nas temporadas ciclônicas, em que ele quase me levava pelos ares. Mas eu já levitava. Sentia o gosto de sal perfumado, o cheiro de mar de quando eu era criança, o olhar de filme antigo nos passos arrastados daquela gente que sorri.
Toda hora passava um calhambeque fazendo barulho ou um cadillac rabo-de-peixe soltando fumaça preta fedorenta que empesteava tudo. Os táxis Mercedes de luxo também, esses sim, sem deixar um rastro de ruído sequer. Silenciosos, abençoados com ar-condicionado, carregavam os endinheirados que se hospedavam no Habana Libre, se banhavam na Varadero paradisíaca, zanzavam pela linda Habana Vieja, dançavam salsa na Tropicana e depois de dez dias no país voltavam pra casa achando que o comunismo deu certo.
Nos fins-de-semana, aquele passeio público se enchia de namorados. Dezenas de trios de músicos percorriam o caminho com violão, flautinha e bongô – os instrumentos variavam –, e se agarravam aos turistas e aos amantes, esperando ganhar uns trocados. Cantavam sempre as mesmas músicas românticas que, um dia, apesar de gostar delas, cansei de ouvir. “Esto no puede ser no más que una canción... Quisiera fuera una declaración de amor... Romántica, sin reparar en formas tales... Que pongan freno a lo que siento ahora a raudales... Te amo, te amo, eternamente, te amo...”
Tenho saudades das tardes de sol no Malecón em Havana.
A praia de La Habana não tinha areia. Somente pedras, o muro de contenção e a água azul-nervoso, se debatendo num desejo louco de arrastar aquelas construções decadentes para o fundo. A brisa não havia. Era um vento forte, um vento que descabelava tudo, principalmente nas temporadas ciclônicas, em que ele quase me levava pelos ares. Mas eu já levitava. Sentia o gosto de sal perfumado, o cheiro de mar de quando eu era criança, o olhar de filme antigo nos passos arrastados daquela gente que sorri.
Toda hora passava um calhambeque fazendo barulho ou um cadillac rabo-de-peixe soltando fumaça preta fedorenta que empesteava tudo. Os táxis Mercedes de luxo também, esses sim, sem deixar um rastro de ruído sequer. Silenciosos, abençoados com ar-condicionado, carregavam os endinheirados que se hospedavam no Habana Libre, se banhavam na Varadero paradisíaca, zanzavam pela linda Habana Vieja, dançavam salsa na Tropicana e depois de dez dias no país voltavam pra casa achando que o comunismo deu certo.
Nos fins-de-semana, aquele passeio público se enchia de namorados. Dezenas de trios de músicos percorriam o caminho com violão, flautinha e bongô – os instrumentos variavam –, e se agarravam aos turistas e aos amantes, esperando ganhar uns trocados. Cantavam sempre as mesmas músicas românticas que, um dia, apesar de gostar delas, cansei de ouvir. “Esto no puede ser no más que una canción... Quisiera fuera una declaración de amor... Romántica, sin reparar en formas tales... Que pongan freno a lo que siento ahora a raudales... Te amo, te amo, eternamente, te amo...”
Tenho saudades das tardes de sol no Malecón em Havana.
Assinar:
Postagens (Atom)